24/11/25 por Cristina Viana em Artigos

Lei do Distrato e o paradoxo da insegurança jurídica

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No Brasil, tem uma curiosa expressão: “essa lei não pegou”. Por mais que algumas normas passem por todo o crivo previsto na legislação, desde a propositura até sua promulgação, quando efetivamente passam a ter validade, incrivelmente algumas simplesmente não são cumpridas.

Excluídas as normas que nunca deveriam ter ultrapassado o plano das ideias, é certo que muitas leis emergiram da demanda legítima da sociedade por regulamentação adequada de situações que exigiam resposta normativa efetiva.

A Lei dos Distratos Imobiliários, como ficou popularmente conhecida a Lei nº 13.786/2018 é uma delas. Nascida no apagar das luzes do ano de 2018, veio como um balizador para os inúmeros casos de distratos imobiliários que assolavam o Brasil naquele momento. 

A lei trouxe regulamentação de como deve ser a restituição dos valores em caso de desfazimento dos negócios imobiliários de loteamentos e de incorporações imobiliárias, bem como aqueles empreendimentos em que há constituição de Patrimônio de Afetação. 

Passados 7 anos desde sua promulgação, estaria a Lei dos Distratos no rol das leis que não pegaram? 

Antes mesmo da Lei dos Distratos Imobiliários, o Judiciário já estava repleto de ações de compradores que desistiam do negócio e queriam parte do dinheiro de volta. 

A nova lei veio para encerrar a controvérsia, já que trouxe regras claras para que tudo fosse resolvido de forma extrajudicial. Mas não é o que acontece. 

Na prática, tem ocorrido uma resistência ao que é previsto na legislação, mesmo estando em vigência e no mês de setembro de 2025, o meio jurídico foi mais uma vez surpreendido com decisões do STJ sobre a não aplicabilidade da referida Lei sob argumento de que entre ela e o Código do Consumidor, prevalece este último. 

A Lei do Distrato trouxe critérios claros para o rompimento contratual, permitindo a retenção de despesas administrativas, cláusula penal, tributos e até a devolução parcelada.

O empreendedor, confiante na norma, passou a planejar seus negócios dentro desse marco legal. O que ele não esperava é que a previsibilidade prometida pelo legislador se tornasse refém da interpretação judicial — e a lei, um instrumento de incerteza.

O que se observa nas decisões mais recentes é a consolidação de um entendimento que considera existir um conflito entre a Lei do Distrato e o Código de Defesa do Consumidor — optando-se, invariavelmente, pela prevalência deste último, como se a norma especial pudesse ser afastada pela regra geral.

Justamente aquilo que o legislador buscou afastar instalou-se: a insegurança jurídica. 

Como explicar ao empreendedor que há uma norma específica para os contratos imobiliários, mas ela não é aplicada porque há uma norma geral dos consumidores que prevalece? Como explicar que a lei que está em vigor virou letra morta? 

A percepção de que o empreendedor seria sempre o polo mais forte da relação contratual e que sua alta lucratividade compensaria eventuais riscos deve ser desmistificada. 

O empreendedor do ramo imobiliário é um grande propulsor para diminuição do déficit habitacional no Brasil e sua atividade já é por natureza cercada de incertezas decorrentes das intempéries que envolvem o cenário político polarizado, oscilações econômicas, volatilidade tributária, escassez de mão de obra qualificada e concorrência acirrada (e em alguns casos, até desleal).

Não é coerente conviver com incerteza jurídica dos contratos, quando existe legislação específica do setor que deveria garantir previsibilidade. 

Este posicionamento contrário ao que está previsto na Lei dos Distratos Imobiliários não afeta somente o empreendedor, mas toda a cadeia produtiva do setor. 

O ambiente de incerteza jurídica compromete a previsibilidade dos negócios, afasta investidores e desacelera um dos setores que mais contribuem para o crescimento econômico e social do País. 

O ambiente de negócios e a confiança nas regras do jogo deveria ser o balizador de toda relação contratual. O mercado imobiliário depende de estabilidade para gerar emprego, renda e moradia. A previsibilidade contratual não é um privilégio das empresas — é uma condição essencial para o desenvolvimento.

O cumprimento da legislação especial não pode ser entendido como uma escolha, mas sim uma obrigação. Se houver relativização para aplicabilidade das normas que estão vigentes, a sensação que temos é que a lei dos distratos não pegou. 

Se a Lei dos Distratos veio para pacificar a relação entre comprador x vendedor de imóveis e ela não é aplicada pelo próprio Judiciário, não é o mercado imobiliário que perde, mas sim a credibilidade das instituições.  No fim, ninguém ganha. 

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