Governança Societária e a Regra de Transição da Tributação de Dividendos: Aproveitando a "Corrida pelos Lucros" para Fortalecer as Sociedades Limitadas
A recente promulgação da Lei nº 15.270/2025, que redesenhou a tributação da renda
da pessoa física, trouxe novamente à tona a discussão sobre a taxação de lucros e
dividendos. A partir de 2026, haverá incidência de Imposto de Renda Retido na Fonte
(IRRF) de 10% sobre valores pagos a pessoas físicas residentes que superarem R$
50.000,00 por mês, por fonte pagadora.
No entanto, a lei estabeleceu uma crucial regra de transição: lucros e dividendos
relativos a resultados apurados até 31 de dezembro de 2025 podem manter a isenção
dessa nova tributação. Para garantir essa isenção, a lei exige que a distribuição seja
formalmente aprovada pelos sócios/acionistas até o limite de 31 de dezembro de
2025. O pagamento, crédito ou entrega dos valores pode ocorrer posteriormente, em
2026, 2027 ou 2028, desde que respeite o ato que aprovou a distribuição.
Essa disposição legal está alimentando a "corrida por atas de distribuição de lucros".
Contudo, para as sociedades limitadas (Ltdas), o foco da análise deve ir além da
simples "ata do imposto de renda", transformando uma emergência tributária em uma
oportunidade de governança.
A leitura predominante do mercado é que, para preservar a isenção fiscal dos lucros
apurados em 2025, a aprovação formal da distribuição deve ocorrer até o final deste
ano.
Embora a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado tenha aprovado o PL
5.473/2025, que propõe estender o prazo para aprovação da distribuição de lucros de
2025 até 30 de abril de 2026, o tema ainda não está fechado e há incerteza quanto à
aprovação e sanção a tempo. Diante dessa indefinição legislativa, o recomendável
para evitar riscos na tributação é manter o esforço para deliberar ainda em 2025.
Caso o prazo seja de fato ampliado para 30/04/2026, as empresas ganham fôlego,
mas a necessidade de realizar uma reunião de sócios bem estruturada, com
aprovação de contas e clara destinação de lucros, permanece intacta.
A discussão tributária apenas reacendeu uma obrigação societária de aprovação de
contas que já existia e vinha sendo negligenciada por muitas Ltdas. O foco não deve
ser apenas na distribuição dos dividendos, mas na formalização da governança
interna.
O artigo 1.078 do Código Civil estabelece que a assembleia ou reunião de sócios deve
ser realizada ao menos uma vez por ano, nos quatro meses seguintes ao término do
exercício social. Este encontro é fundamental para: (i) tomar as contas dos
administradores; (ii) deliberar sobre o balanço e o resultado (DRE); (iii) tratar da
destinação do lucro (distribuição, constituição de reservas, reinvestimento, etc.); (iv)
tratar de outros assuntos da ordem do dia.
A doutrina e a prática reforçam que essa reunião é obrigatória, inclusive para Ltdas de
pequeno porte. O cumprimento adequado dessa obrigação melhora a governança e
reduz o potencial de conflitos, além de representar a aprovação das contas e
demonstrações financeiras, sem reservas, um dos instrumentos mais importantes de
proteção ao administrador - pois implica a exoneração deles pelos atos de gestão do
exercício, ressalvados os casos de erro, dolo ou simulação.
Por outro lado, a falta de aprovação formal de contas abre espaço para
questionamentos futuros, como ações de prestação de contas, discussões entre
sócios e litígios em contextos sensíveis, como sucessão, entrada/saída de sócios e
dissolução parcial da sociedade.
Dito isto, o momento é ideal para reorganizar o calendário societário da sociedade
limitada e imprimir maior governança. Os atos de deliberação atuais, que visam o
enquadramento na regra de transição da Lei 15.270/2025, devem ser robustos e
transformados em oportunidade de governança.
Vejamos alguns exemplos para uma agenda da governança mais aprimorada:
(i) Rotina de Reuniões - Incluir a reunião anual de sócios na rotina, a ser
realizada até abril de cada ano (ou nova data legal, se houver alteração);
(ii) Aprovação e Formalização - Aprovar formalmente as contas da
administração, submeter balanço, DRE e demais demonstrações aos
sócios. Registrar em ata a aprovação (com ou sem ressalvas), deixando
claro o período a que se referem;
(iii) Destinação Clara de Lucros - Deliberar sobre a destinação do lucro de
forma clara, definindo o quanto será direcionado para reservas, quanto será
reinvestido e a parcela a ser distribuída;
(iv) Política de Distribuição - Formalizar a política de distribuição,
estabelecendo periodicidade, limites e critérios de divisão entre sócios,
inclusive se proporcionais ou desproporcionais (desde que previstos no
contrato social), bem como a eventual convivência com pró-labore;
(v) Exoneração dos Administradores - Desonerar os administradores com
segurança, incluindo disposição expressa em ata de que a aprovação das
contas os exonera pelos atos de gestão, ressalvadas as hipóteses legais;
(vi) Vínculo com a Transição Tributária - Vincular a deliberação diretamente à
regra de transição da Lei 15.270/2025
(vii) Registro de Pagamento Futuro - Deixar registrado que a distribuição dos
lucros de 2025 está sendo aprovada até a data limite aplicável (31/12/2025
ou 30/04/2026, conforme prevalecer), com pagamento em exercícios
futuros, conforme estabelecido na ata, visando o correto enquadramento na
legislação tributária;
Ao aproveitar o regramento do prazo fiscal e encarar como um catalisador para
implementar uma governança societária robusta, os sócios e administradores das
sociedades limitadas não apenas garantem a isenção fiscal dos resultados de 2025,
mas também fortalecem a estrutura legal da empresa, protegendo administradores e
minimizando conflitos societários futuros.
Com a sugestão da agenda acima, dentre outras ações que podem ser discutidas
caso a caso com um advogado especializado, a “corrida pelos dividendos” se
transforma em um passo sólido em direção à excelência em gestão e compliance
societário.