18/10/23 por Ana Vitorino em Artigos , Direito imobiliário

Built to Suits (BTS): contrato atípico de locação comercial como tendência no mercado imobiliário

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As novas demandas do mercado imobiliário têm provocado mudanças nas formas tradicionais de contratos, inclusive no que se refere a locações.  

Atualmente, as necessidades do locatário do imóvel, têm um peso crescente no momento da celebração de um contrato de locação. 

É nesse cenário que o contrato conhecido como "built to suit" (ou BTS) emerge como uma tendência. 

Essa modalidade contratual tem origem no direito norte-americano, sendo adotada como prática no mercado brasileiro. Literalmente, “built to suit” significa “construído para servir”, em português, ou ainda “fazer para caber”, que nada mais é do que algo feito sob encomenda, para caber nas necessidades de um determinado negócio ou projeto.  

Neste artigo, discutiremos as razões que levaram o “built to suit” a se destacar no mercado imobiliário, comentando suas características e vantagens para as partes envolvidas. 

Origem da modalidade de Built to Suit

A modalidade de contrato BTS (Built to Suit) tem suas raízes no mercado imobiliário dos Estados Unidos, e sua origem remonta a meados do século XX, especificamente nas décadas de 1950 e 1960. Foi nesse período que essa abordagem de locação, na qual um edifício ou instalação é construído sob medida para atender às necessidades de um inquilino específico, começou a se desenvolver como uma prática comercial. 

O BTS ganhou popularidade nos Estados Unidos como uma solução para atender às demandas de empresas que desejavam locar espaços comerciais ou industriais adaptados às suas operações e requisitos particulares. Em vez de simplesmente alugar um imóvel existente e fazer adaptações por conta própria, as empresas passaram a celebrar contratos BTS, nos quais um empreendedor ou incorporador se compromete a construir um edifício ou instalação sob medida para o locatário, de acordo com suas especificações e necessidades. 

A prática de contratos BTS se disseminou em diversos países, incluindo o Brasil, onde se tornou uma opção atraente para empresas que buscam esses espaços sob medida para suas operações. No entanto, as regulamentações e práticas específicas podem variar de país para país e até mesmo conforme as leis estaduais ou locais em alguns casos. 

Para quais operações é aplicado o BTS? 

O contrato Built to Suit, conforme sua tradução literal, é um acordo criado para atender às necessidades de um futuro usuário. Nessa modalidade, o empreendedor ou incorporador se compromete a personalizar o imóvel, seja construindo-o do zero ou realizando reformas, segundo as especificações solicitadas pelo usuário. 

 Essa abordagem é aplicada a locações de imóveis comerciais, onde o empreendedor desempenha o papel do locador e o usuário se torna o locatário. 

Em locações não residenciais, é comum que o locatário precise fazer adaptações no imóvel para acomodar suas atividades comerciais ou industriais específicas. Tais reformas muitas vezes são inevitáveis. 

Dessa forma, o locador, ciente das necessidades do futuro locatário, toma a iniciativa de realizar a construção ou reforma que o locatário teria que empreender por conta própria, entregando o imóvel em condições adequadas para a atividade a ser realizada. 

Por meio do contrato Built to Suit, o locatário recebe o imóvel pronto para iniciar suas operações e, em contrapartida, recompensa essa personalização por meio do pagamento do aluguel. 

Assim, o investimento do locador na construção ou reforma é amortizado ao longo do período de locação, por meio dos pagamentos regulares de aluguel. 

Em essência, o contrato Built to Suit envolve geralmente a encomenda de uma construção ou reforma que precede uma locação de longo prazo, conforme as especificações do locatário. Isso transfere a responsabilidade pela personalização do imóvel para o locador. 

Além disso, a construção ou reforma pode envolver a seleção e aquisição do terreno, com as condições para essa escolha também sendo acordadas entre as partes envolvidas na locação. 

Para atender às necessidades do locatário predefinido, o negócio é dividido em duas fases: 

1. A fase de aquisição, construção e reforma do imóvel pelo empreendedor, conforme as especificações do locatário. Isso pode incluir a contratação de terceiros responsáveis pela obra e um projeto de construção detalhado, documentado em um memorial descritivo; 

2. A fase de locação por um período prolongado, suficiente para remunerar o locador pelo investimento realizado. Como resultado, o aluguel é geralmente estabelecido acima dos valores de mercado. 

Previsão Legal para contratos Built to Suit 

Os contratos Built to Suit foram incorporados à nossa legislação apenas em 2012, por meio da Lei 12.744, que introduziu uma emenda na Lei de Locações (Lei 8.245/1991), adicionando o artigo 54-A: 

Art. 54-A.  Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei.     

§1º Poderá ser convencionada a renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação.

§2º Em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não excederá, porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação.  

Ao analisar o artigo, é notável que o primeiro parágrafo permite a renúncia ao direito de revisão do valor do aluguel, fortalecendo as garantias de reembolso do investimento feito no imóvel pelo locador. 

Por outro lado, o segundo parágrafo limita o valor da multa contratual em caso de rescisão antecipada pelo locatário ao montante que o locador teria a receber até o final do contrato, proporcionando maior segurança jurídica ao locatário. 

Essas regras são essenciais para equilibrar os negócios celebrados na modalidade Built to Suit. 

No entanto, mesmo com essa regulamentação, ainda se debate a aplicabilidade da Lei de Locações a essa modalidade contratual, pois, em parte, ela aborda obrigações e elementos alheios à simples locação de imóvel, como características de um contrato de empreitada. 

Portanto, embora o artigo 54-A da Lei 8.245/1991 tenha introduzido importantes disposições para assegurar a segurança do locador, que investe no imóvel, e prevenir desequilíbrios contratuais para o locatário, o contrato Built to Suit continua sendo considerado atípico, não se adequando completamente às normas de uma locação convencional, se aplicando, portanto, as disposições do Código Civil e do Código de Processo Civil. 

Ainda no que tange ao artigo 54-A da lei, a visão clara dos principais elementos dos contratos Built to Suit, que incluem: 

1. A identificação prévia do usuário ou locatário do imóvel; 

2. A aquisição antecipada, construção ou reforma substancial realizada pelo empreendedor, ou por terceiros contratados; 

3. A especificação das personalizações necessárias no imóvel, conforme solicitado pelo usuário ou locatário; 

4. Um prazo definido para a entrega do imóvel personalizado e pronto para uso; 

5. A estipulação de um contrato de longo prazo, devido ao significativo investimento envolvido; 

6. A aplicação dos procedimentos estabelecidos na Lei de Locações, com exceção da revisão do preço e da ação renovatória durante o período de vigência do contrato, seguindo as disposições do Código Civil e do Código de Processo Civil. 

Vantagens do BTS  

O modelo BTS permite que as empresas tenham maior controle sobre o projeto e a construção das instalações, garantindo que elas atendam perfeitamente aos seus objetivos comerciais. Além disso, as despesas relacionadas à personalização do imóvel são tratadas como despesas operacionais e incorporadas ao valor do aluguel, oferecendo um tratamento contábil favorável, a construção ou reforma atende aos padrões e especificações previamente acordados entre as partes, garantindo que o imóvel atenda às necessidades comerciais, os riscos associados à construção ou reforma são transferidos para o locador, reduzindo a responsabilidade do usuário nessa fase do projeto. 

Essa abordagem também é vantajosa para os proprietários de imóveis, que podem garantir um locatário a longo prazo e um fluxo de renda estável, além de estabelecer um contrato de longo prazo, garantindo estabilidade na locação, garantir a recuperação do investimento feito nas obras, o qual é incorporado ao valor do aluguel, obtenção de lucro superior em comparação a uma locação comercial convencional, flexibilização para renunciar ao direito de revisão do valor do aluguel, proporcionando previsibilidade financeira, em caso de rescisão antecipada pelo locatário, a multa pode ser equivalente ao valor total a ser recebido até o final do período contratual, assegurando a compensação do investimento. 

Essas vantagens tornam o contrato Built to Suit uma opção atraente tanto para empreendedores quanto para usuários, oferecendo soluções personalizadas e benefícios financeiros a ambas as partes envolvidas. 

O que a jurisprudência diz a respeito do tema? 

Atualmente, ainda subsistem várias dúvidas quanto à aplicabilidade da Lei de Locações aos contratos Built to Suit, especialmente no que diz respeito ao processo de revisão do aluguel. 

Frequentemente, a resolução de conflitos entre as partes é encaminhada ao Poder Judiciário, o que destaca a importância da análise das decisões judiciais mais recentes relacionadas a esse tema. 

Em um caso notável, o Superior Tribunal de Justiça proferiu uma decisão relevante no Recurso Especial nº 1.521.448/SP de 2015. Nessa decisão, o tribunal não apenas definiu o conceito de Built to Suit, mas também estabeleceu sua interpretação, enfatizando a importância da igualdade entre as partes contratantes e a validade das cláusulas livremente acordadas. 

Essa decisão judicial ajudou a esclarecer e consolidar a compreensão do contrato Built to Suit no contexto da legislação brasileira, destacando a necessidade de respeitar a autonomia das partes contratantes e a paridade entre elas: 

RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, I E II, DO CPC. OMISSÃO, OBSCURIDADE E CONTRADIÇÃO INEXISTENTES. BUILT TO SUIT. DESCARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO. VERIFICAÇÃO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS Nº 5 E 7 DO STJ. RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. 

1 - O juiz é o destinatário da prova, cabendo a ele, dentro do seu livre convencimento, dispensar a produção de provas que julgar desnecessárias. Na hipótese, a manifestação do assistente técnico da autora consta dos autos (laudo divergente de fls. 551/573), sendo efetivamente despicienda sua oitiva.  

2 - As operações imobiliárias denominadas "built to suit" podem ser traduzidas como uma construção sob medida. Consistem em um negócio jurídico similar, em alguns pontos, ao contrato de locação, no qual, todavia, uma parte se encarrega de construir um imóvel customizado para as necessidades do contratante e este se obriga a locar o bem por prazo determinado, por um valor mensal correspondente não somente à contraprestação pelo uso e gozo do imóvel, mas também para remunerar os custos de aquisição do terreno e da construção do imóvel pelo locatário, bem como o capital investido. 

3 - Tipo de negócio jurídico que não se submete preferencial ou exclusivamente à Lei do Inquilinato.  

4 - Contrato paritário, ou seja, as partes se encontram em situação de igualdade e as cláusulas foram livremente pactuadas, não havendo falar na imposição unilateral de condição, típica dos contratos de massa (por adesão), os quais se submetem a regramento específico e admitem certa relativização, razão pela qual descabe discussão acerca da validade ou eficácia do negócio jurídico entabulado entre as partes.  

5 - Não se pode admitir a pretensão da autora de promover revisão do contrato firmado entre as partes com escopo de adequar o aluguel mensal pactuado à realidade de mercado, como se de contrato típico de locação se tratasse.  

6 - A única razão da alteração dos valores pactuados foi a correção pelo índice IGP-M, divulgado pela FGV, o qual, nos termos das cláusulas 5.1 e 5.2 foi eleito livremente entre as partes como fator de reajuste anual. Ora, se o quantum originalmente pactuado afigurava-se razoável para a autora, não há que se falar em onerosidade excessiva, na medida em que o reajuste decorreu apenas da aplicação do fator de correção escolhido pelas partes, importando entendimento diverso em violação ao princípio do pacta sunt servanda.  

7 - Preliminar rejeitada.  

8 - Apelação desprovida. (e-STJ, fls. 798/799)”. (STJ, Relator Ministro MOURA RIBEIRO – RECURSO ESPECIAL Nº 1.521.448/SP (2015/0058620-4). (G.n.). 

Conclusão 

O contrato Built to Suit, apesar de envolver uma relação contratual atípica e não convencional, tem se tornado uma tendência no mercado imobiliário nas locações não residenciais. 

Essa modalidade pode ser compreendida como encomendar a construção de um imóvel personalizado para as atividades comerciais ou industriais do usuário, que será posteriormente alugado a ele por um período longo e especificado. A remuneração para o empreendedor ocorre periodicamente e inclui o valor do aluguel acrescido do investimento na personalização. 

A personalização realizada pelo empreendedor geralmente abrange as modificações básicas que o usuário precisaria fazer por conta própria após o início da locação para viabilizar suas atividades. 

Dessa forma, o Built to Suit permite que esse encargo seja transferido ao empreendedor, que será recompensado durante o período de locação. Para o empreendedor, essa modalidade de contrato é vantajosa, garantindo a locação do imóvel por um longo período e estabelecendo um aluguel em valor elevado para compensar o investimento inicial. 

Embora previsto na Lei de Locações, esse contrato é atípico, com obrigações que vão além do que é tradicionalmente encontrado nos contratos de aluguel. A jurisprudência tem se inclinado a não aplicar alguns aspectos da Lei de Locações a contratos Built to Suit, como o procedimento de revisão do valor do aluguel. 

No entanto, é aconselhável que as partes expressem a renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante a vigência do contrato para garantir a segurança do retorno do investimento para o empreendedor. Se houver revisão, ela seguirá as regras do Código Civil, em vez da Lei de Locações. 

Dada a natureza atípica e os valores envolvidos, é altamente recomendável que as partes envolvidas contratem um profissional especializado com experiência nas práticas atuais do mercado imobiliário para redigir as cláusulas do contrato. Além disso, é fundamental realizar uma análise aprofundada da viabilidade do negócio (due diligence), considerando desde a atividade e previsão de rentabilidade do locatário até a devida remuneração do empreendedor pelo seu investimento. 

Se você gostou deste artigo ou tiver alguma dúvida sobre o assunto, por favor, deixe seu feedback ou entre em contato. 

 

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