A dispensa de testemunhas em contratos eletrônicos: novidade legislativa para os títulos executivos
As testemunhas em contratos sempre foram exigidas para conferir autenticidade, se aqueles que assinaram são realmente as partes contratantes e também para resguardar que foi realizado sem vícios.
Para fins de cobrança judicial de um documento particular, a legislação exige que seja assinado pelo devedor e por duas testemunhas, lembrando que estas não podem ter interesse financeiro no negócio e ser civilmente capazes.
Novidade legislativa
A assinatura de testemunhas em contratos eletrônicos passou a ser dispensada com a promulgação da Lei 14.620/23 no último dia 14 de julho. A novidade legislativa veio no conjunto de normas previstas na legislação que (re)criou o Minha Casa, Minha Vida.
Muito embora o contexto principal da lei tenha sido o referido programa para habitação popular, a dispensa de testemunhas atinge todo e qualquer título executivo, já que a lei trouxe uma modificação no Código de Processo Civil.
Entendimento dos Tribunais até então
Conforme entendimento jurisprudencial até então, o STJ vinha reconhecendo que o contrato assinado com certificado digital sem testemunhas poderia ser objeto de ação de execução porque a segurança que existe por trás da assinatura digital faria às vezes das testemunhas em um documento físico.
De fato, a assinatura digital é aquela que confere maior segurança e autenticidade ao documento.
Como não havia uma previsão legislativa até então, uma orientação conservadora e prudente era a de que fossem coletadas também as assinaturas eletrônicas das testemunhas, tudo para evitar uma nulidade caso o título fosse cobrado em uma ação de execução.
O que são os contratos eletrônicos?
Os contratos são considerados eletrônicos quando a manifestação das partes é formalizada virtualmente por algum meio eletrônico, com transmissão de dados por via digital.
Portanto, são assim considerados não somente os contratos firmados formalmente por assinatura eletrônica, mas também aqueles firmados por e-mail, sites, redes sociais ou outra forma virtual e digital.
Muito embora não exista expressamente este termo no Código Civil, o contrato eletrônico, para sua validade, deve ter os mesmos requisitos de qualquer contrato: as partes devem ser capazes, o objeto deve ser lícito e a forma deve estar prevista na legislação.
Portanto, de modo geral, o contrato eletrônico segue as mesmas regras de um contrato físico, diferenciando apenas a forma de sua celebração.
O que são assinaturas eletrônicas e digitais?
A assinatura eletrônica é um termo genérico para assinar contratos eletronicamente, desde que se possa identificar quem assinou, bastando o aceite. Exemplos: senha bancária e uma compra por aplicativo.
A assinatura digital é um tipo de assinatura eletrônica que utiliza criptografia conforme as normas da ICP/Brasil. Ela é bastante segura porque usa uma chave privada e uma pública para conferir a autenticidade.
Na assinatura digital é preciso ter um certificado digital e para ser considerada válida há três elementos:
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Integridade – garantia de que o documento não foi/será alterado
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Autenticidade – identifica quem fez a assinatura
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Registro de assinatura - quando e como foi feita
A assinatura eletrônica é mais barata, mais simples e por isto, para ser conferida sua validade jurídica, exige-se que um conjunto de provas sejam levantados para sua autenticidade ser considerada válida (endereço IP do computador, e-mail, SMS e outros elementos).
Nos contratos com assinatura eletrônica, a norma prevê que as partes admitam que o contrato assinado é válido, daí a importância de ser inserida uma cláusula neste sentido.
Já a assinatura digital tem a presunção de veracidade, pois sua assinatura já vem com a certificação do ICP/Brasil por ser criptografada.
Em termos de segurança jurídica, ambas as formas são aceitas. O que se deve ter em consideração é que a digital tem um nível de segurança mais robusto.
Em ações judiciais para a cobrança deste tipo de contrato, aqueles com assinatura digital tinham o seu questionamento mitigado.
Já nos contratos com assinatura eletrônica, se houver questionamentos quanto à autenticidade da assinatura, deve-se juntar provas de que foram aquelas partes que realmente assinaram o contrato. Por isso há elementos como e-mail, IP e outros dados quando acessamos este tipo de documento.
A popularização das assinaturas eletrônicas está presente em plataformas como Docusign e Clicksign que, apesar de não utilizarem o certificado digital do ICP/Brasil, alegam resguardar a segurança mediante a informações complementares de como o documento foi assinado eletronicamente.
Qual deverá ser o novo procedimento?
A Lei 14.620/2023 introduziu no artigo 784 do Código de Processo Civil um parágrafo 4º para estabelecer o seguinte:
“§ 4º Nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico, é admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensada a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura. ”
A novidade prevista na legislação é justamente a dispensa de testemunhas para considerar o título passível de ser cobrado em execução judicial, caso a assinatura tenha sido realizada por algum meio eletrônico.
Porém, a redação pode ter sido um pouco evasiva porque por um lado ela prevê que a assinatura poderá ser feita “por qualquer modalidade de assinatura eletrônica”, mas logo no final completa que a dispensa somente poderá ser considerada válida se a integridade da assinatura puder ser conferida por provedor de assinatura.
Conforme vimos acima, a assinatura eletrônica é um termo genérico. Contudo, a novidade legislativa exige a conferência por provedor de assinatura. Logo, o que pode ser interpretado é que a recomendação, para fins de validade do título como executivo, é que sejam realizados via assinatura digital.
Por fim, é importante destacar que a legislação trouxe um elemento no Código de Processo Civil na parte relativa aos títulos executivos extrajudiciais. Ou seja, a novidade é para aqueles documentos que serão objeto de cobrança pela via executiva. A legislação não alterou o Código Civil do ponto de vista de requisitos para o contrato de modo geral, apenas um requisito a mais para aqueles que serão objeto de execução.
De qualquer forma, é um grande avanço legislativo tal reconhecimento porque até então havia entendimentos nos Tribunais sobre a necessidade ou não de conter testemunhas nos títulos assinados de forma eletrônica.
Com o esclarecimento sobre este ponto específico, as empresas e as pessoas poderão tomar maiores cuidados ao firmar documentos eletrônicos que, se não cumpridos, poderão ser objeto de ação de execução sem possibilidade de questionamento da sua validade para a cobrança pela via executiva.
Consulte sempre seu advogado de confiança para esclarecimentos de dúvidas ao fechar um contrato porque qualquer vício na sua elaboração pode ser prejudicial caso tenha que ser cobrado judicialmente em caso de inadimplemento.