A reserva de imóveis na planta é proibida?
A reserva trata-se de um início de negociação, quando alguém reserva um imóvel e a aquisição propriamente dita não chega a ser efetivada.
Uma mudança na Lei de Incorporação Imobiliária pela Lei 14.382 acendeu um debate no mercado imobiliário: a reserva de imóveis na planta é uma prática que é proibida ou pode ser realizada?
O que seria a reserva?
Este é um tema bastante polêmico que ganhou mais discussão no meio jurídico após ter sido amplamente divulgada uma decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina em uma ação movida pelo Ministério Público de Santa Catarina contra uma incorporadora.
O Ministério Público de Santa Catarina moveu Ação Civil Pública contra uma empresa para proibir que esta promova a publicidade e comercialização de unidades de um empreendimento enquanto a incorporação imobiliária não estivesse considerada regularizada.
Foi deferida na decisão de 1ª instância que toda a publicidade envolvida fosse cessada, inclusive para fixação de placa no local informando que o empreendimento não tinha registro de incorporação, dentre outras cominações e fixada multa de R$ 100.000,00 (cem mil Reais).
A empresa recorreu ao TJSC e conseguiu uma liminar para suspender a decisão prolatada em 1ª instância e tal decisão do Desembargador Relator foi amplamente divulgada nos meios jurídicos, provocando muitas dúvidas sobre o tema.
O recurso foi julgado em junho de 2024 e o Tribunal de Justiça de Santa Catarina entendeu que a empresa não realizou venda de unidades, mas tão somente reservas, tendo os clientes sido claramente cientificados da inexistência de registro de incorporação e que posteriormente deveria ser formalizado o compromisso de compra e venda.
Ficou estampado na decisão que a interpretação da nova redação do artigo 32 da Lei 4591 proíbe a alienação ou oneração, mas a negociação seria permitida. Portanto, segundo seu entendimento, a reserva de unidades não seria, de fato, uma oneração porque é um contrato atípico e que a efetiva compra do bem somente seria formalizada após o registro da incorporação, em instrumento próprio da compra e venda.
Este case foi bastante divulgado nos meios jurídicos porque ficou parecendo que poderiam ser vendidas unidades imobiliárias sem o registro da incorporação, o que não é permitido.
As peculiaridades do caso que fizeram com que o recurso da empresa fosse provido foram:
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nos documentos que empresa apresentou em juízo, o Desembargador destacou que o comprador estava sendo claramente cientificado de que não havia registro da incorporação até o momento da reserva e que a alienação não estava sendo efetivada
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o registro da incorporação estava em andamento, e o Tribunal deu um prazo de 90 dias para que ele fosse concluído
Percebe-se que a informação clara ao consumidor é condição sine qua non para que a reserva seja feita antes do registro imobiliário.
O tema é bastante polêmico porque desde que a legislação foi modificada, já que até então o termo previsto no artigo 32 da lei era a proibição de negociação enquanto o registro imobiliário não tiver sido realizado e com a mudança, o termo “negociação” foi alterado para “oneração ou alienação”.
Contudo, a mudança ocorreu apenas no artigo 32 da Lei 4591 e não foi alterada a redação do artigo 29 da mesma lei que conceitua a incorporação imobiliária como a venda de frações ideais de terreno.
A reserva, portanto, trata-se de um início de negociação. Quando alguém reserva um imóvel, a aquisição propriamente dita não chega a ser efetivada. Há uma expectativa de aquisição futura que, para ser realizada, depende de alguns fatores, como o próprio registro imobiliário e o pagamento do preço.
Além disto, muito embora a legislação tenha sido alterada para constar o termo “negociação” no artigo 32, neste mesmo dispositivo legal, em seu parágrafo 3º, consta previsão para a indicação do número da incorporação nos materiais publicitários.
Portanto, em que pese a intenção do legislador, há dispositivos na própria Lei de Incorporação que não foram modificados. Portanto, o seguro morreu de velho. Ou seja, uma visão muito conservadora previne aguardar o registro da incorporação para só então negociar, reservar, vender e fazer efetivamente negócios envolvendo o empreendimento.
Sabe-se que um mercado aquecido gera atitudes mais agressivas das empresas para vender imóveis de forma mais célere, mas a cautela exige que se tenha calma nesta hora, senão tudo pode ser perdido, já que há implicações jurídicas graves em jogo.
Se mesmo com todos os esclarecimentos acima o incorporador quer fazer as reservas de unidades de empreendimento ainda não registrado, o que pode ser amenizado para realização das reservas seria não exigir cobranças de valores no ato da reserva, ou então quantias a título simbólico, trazer todos os esclarecimentos de que não se trata de compra e venda e de modo muito transparente informar que não há ainda o registro de incorporação.
De mais a mais, por se tratar de um contrato atípico, há quem interprete como sendo uma mera opção de compra a ser exercida quando o registro da incorporação for realizado, como condição do negócio. É arriscado? Sim, porque dependerá de interpretação para constatar se é ou não irregular.
O propósito da Lei de Incorporações é proteger o adquirente. Portanto, se o consumidor reserva algo que nem sequer existe, o risco é latente e em se tratando de uma relação de consumo, vincula o fornecedor e ele não poderia desistir da incorporação.
O risco é latente, a legislação nova fez confundir o mercado e certamente decisões como a citada vão trazer muitas interpretações e é por isto que o incorporador deve se cercar de cuidados e ter uma assessoria especializada e atenta às nuances de cada negócio para atuar de forma preventiva e aconselhar de modo adequado.