A Reforma do Código Civil e a Nova Condição Sucessória dos Cônjuges no Regime da Separação Total de Bens
 
                            A proposta de reforma do Código Civil atualmente em discussão tem provocado intensos debates no âmbito do Direito de Família e das Sucessões. Dentre as alterações sugeridas, uma das que mais desperta atenção é a que trata da posição sucessória do cônjuge, especialmente nos casamentos celebrados sob o regime da separação total de bens.
A Sistemática Vigente
De acordo com o artigo 1.845 do Código Civil em vigor, o cônjuge figura como herdeiro necessário, concorrendo na sucessão com descendentes e ascendentes. Essa previsão tem sido justificada pela proteção jurídica da entidade familiar e pela necessidade de resguardar o cônjuge sobrevivente, independentemente do regime de bens adotado.
Contudo, a doutrina contemporânea tem questionado a coerência dessa equiparação. Afinal, se o casal optou pela incomunicabilidade patrimonial durante a vida conjugal, não seria contraditório que houvesse comunicação dos bens após a morte?
A Perspectiva da Reforma
O texto em análise na proposta de reforma pretende alterar significativamente esse panorama. A ideia central é que o cônjuge deixe de ser herdeiro necessário, passando a herdar apenas quando houver disposição expressa em testamento.
Nos casamentos sob o regime da separação total de bens, a consequência prática seria a exclusão do cônjuge da sucessão legítima, de modo que o sobrevivente não receberia qualquer parcela da herança, salvo se o falecido houver instituído legado ou disposição testamentária em seu favor.
Tal mudança reflete uma visão mais moderna da autonomia patrimonial e da liberdade de disposição, aproximando o direito sucessório das premissas contratuais e patrimoniais que regem o casamento civil contemporâneo.
O Estado Atual da Discussão
Importa salientar, contudo, que tais alterações ainda se encontram no plano do anteprojeto de lei. Não há, até o momento, qualquer eficácia jurídica ou previsão concreta de aprovação.
No meio acadêmico e legislativo, a percepção dominante é a de que a matéria ainda demandará amplo debate e amadurecimento. Trata-se de um tema sensível, que repercute não apenas nas relações familiares, mas também em estruturas patrimoniais, empresariais e sucessórias consolidadas.
Implicações Práticas e Planejamento
Se a reforma vier a ser aprovada, os casais casados sob o regime da separação total de bens deverão repensar sua organização patrimonial. Aqueles que desejarem resguardar o cônjuge sobrevivente precisarão adotar medidas preventivas de planejamento sucessório, seja por meio de testamento, seja por doações em vida, de modo a assegurar que o patrimônio seja transmitido conforme a sua vontade.
Em qualquer hipótese, a recomendação é que as decisões sejam sempre acompanhadas de assessoria jurídica especializada, a fim de garantir segurança técnica e coerência entre os efeitos patrimoniais e sucessórios pretendidos.
Conclusão
A eventual exclusão do cônjuge da condição de herdeiro necessário representa uma releitura da autonomia privada no Direito das Sucessões. A proposta reafirma que a vontade das partes deve prevalecer sobre presunções legais generalistas, promovendo uma maior autonomia de escolha do regime de bens e os efeitos sucessórios dele decorrentes.
Até que o debate legislativo amadureça, cabe à advocacia exercer um papel técnico e orientador, contribuindo para que os indivíduos compreendam o alcance das mudanças e se antecipem a elas por meio de um planejamento jurídico sólido e personalizado.
