CASAMENTO COM SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS: PONTOS DE ATENÇÃO ESSENCIAIS
O regime de bens no casamento é um tema de fundamental importância, pois define a administração e a partilha do patrimônio do casal durante a união e em caso de sua dissolução. Embora a maioria dos casais tenha a liberdade de escolher o regime que melhor se adapta às suas necessidades, o regime de separação obrigatória de bens destaca-se por ser imposto por lei em situações específicas, independentemente da vontade dos nubentes. Este artigo explora os principais pontos de atenção que caracterizam essa modalidade de casamento.
A separação obrigatória de bens, também conhecida como separação legal de bens, estabelece que cada cônjuge mantém a propriedade exclusiva de seus bens, tanto aqueles adquiridos antes do casamento quanto os obtidos durante a união. Em tese, não há comunhão patrimonial entre o casal, e cada um administra suas próprias dívidas de forma independente.
Este regime é exigido por lei em circunstâncias taxativas, conforme previsto no Art. 1.641 do Código Civil Brasileiro que passo a citar:
A primeira exigência é para casamento com pessoas com mais de 70 anos no momento do casamento. Outra hipótese é o casamento com causas suspensivas, ou seja, quando um dos cônjuges se encontra em uma situação que impede o casamento sem observância de certas formalidades, são exemplos: (i) o viúvo(a) com filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário e partilha de bens; (ii) a mulher cujo casamento se desfez (nulo ou anulado), até dez meses depois do fim da sociedade conjugal, para evitar confusão patrimonial com presunção de paternidade; (iii) o divorciado(a) que não realizou a partilha de bens do casamento anterior; (iv) os tutores ou curadores com pessoas sob sua tutela/curatela (ou seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados, sobrinhos), enquanto não cessar a tutela/curatela e as contas não estiverem saldadas. Por fim, temos os adolescentes entre 16 e 18 anos que necessitam de autorização judicial para casar, caso não obtenham o consentimento dos pais ou responsáveis.
É importante colocar que em algumas dessas hipóteses (i, iii ou iv das causas suspensivas), a lei prevê que o regime impositivo pode ser afastado por decisão judicial, a pedido dos nubentes, se for comprovada a inexistência de prejuízo. Para a hipótese de pessoas com mais de 70 anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que o regime de separação de bens pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes mediante escritura pública. Isso representa uma flexibilização importante à regra legal.
Sobre essa flexibilização à separação de bens para pessoas com mais de 70 anos, apesar de ser mantido o regime de separação, a Súmula 377 do STF trouxe uma importante relativização determinando que "no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento". Isso significa que os bens comprados durante a união devem ser partilhados. A interpretação dessa súmula atualmente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) é de que a comunicação de bens depende da comprovação do esforço comum para a sua aquisição, seja, comprovação se existiu contribuição financeira mensurável, comprovada por documentos como notas fiscais ou transferências (esforço direto); ou comprovação acerca da existência de contribuições não palpáveis, como a dedicação ao lar e aos filhos, que permite ao outro cônjuge trabalhar e construir patrimônio (esforço indireto).
Sobre esses conceitos, e contrariando a tendência de exigir a comprovação do esforço comum, a Ministra Nancy Andrighi, em julgado do STJ, defendeu que o esforço comum para a aquisição do patrimônio do casal deve ser presumido, especialmente em uniões estáveis entre sexagenários, onde a solidariedade é fator contributivo.
Para minimizar esse debate na via judicial, existe a possibilidade do casal buscar, por meio de pacto antenupcial ou contrato de união estável, o afastamento expresso da Súmula 377, ou seja, deixar expresso que os bens adquiridos durante a união permaneçam individualizados, mesmo que haja esforço comum.
Embora a separação obrigatória seja um regime imposto, os cônjuges podem utilizar o pacto antenupcial ou contrato de união estável para definir regras específicas de administração de bens e dívidas. Em situações como a de pessoas com mais de 70 anos, a escritura pública é o meio para afastar a imposição do regime, expressando a vontade das partes.
Essa discussão é importante existir entre o casal, porque o regime de separação obrigatória de bens tem um impacto específico nos direitos sucessórios do cônjuge sobrevivente. De acordo com o Código Civil, o cônjuge casado sob este regime não concorre à herança com os descendentes do falecido. Apenas se não houver descendentes o cônjuge sobrevivente concorrerá com os ascendentes e, na ausência de ambos (descendentes e ascendentes), herdará a totalidade do patrimônio.
Importante, portanto, realizar esta distinção em relação ao regime de bens quando este regular as relações patrimoniais em vida, e, de forma diferente, as consequências de um regime de bens quando aplicado no direito sucessório, que trata da transmissão de bens após a morte.
Pensão Alimentícia e possibilidade de fixação de Alimentos Compensatórios
Um ponto crucial de atenção é que o regime de separação obrigatória de bens não afeta a obrigação de pagar pensão alimentícia (alimentos de subsistência). A pensão alimentícia é devida com base no dever de mútua assistência e solidariedade familiar, e sua fixação depende do binômio necessidade-possibilidade do alimentado e do alimentante. É uma medida excepcional e transitória, que visa permitir que o cônjuge necessitado se reestruture financeiramente.
Além disso, podem ser fixados os alimentos compensatórios que possuem natureza indenizatória e, portanto, são independentes do regime de bens. Eles não visam à subsistência, mas sim a restabelecer o equilíbrio financeiro e mitigar o desequilíbrio econômico ou a abrupta alteração do padrão de vida de um dos cônjuges após o divórcio ou dissolução da união estável. A justificativa para sua estipulação é a diminuição do padrão de vida, não a necessidade de auxílio para subsistência. Um exemplo comum é quando um cônjuge abdica de sua vida profissional para dedicar-se ao lar e aos filhos, o que pode gerar uma "perda de chance" e justificar a compensação.
Diante do exposto, temos evidenciada certa complexidade e as nuances deste regime de Separação Obrigatória de Bens, tornando indispensável a consulta a um advogado especialista em Direito de Família e Sucessões. O casamento sob esse regime, embora imposto por lei em certas condições, não implica uma total ausência de direitos patrimoniais ou alimentares para os cônjuges. Um profissional pode esclarecer dúvidas, identificar as particularidades de cada caso, discorrer sobre as interpretações jurisprudenciais e apresentar as possibilidades de acordos pré-nupciais. Uma análise aprofundada e individualizada pelo advogado especialista é sempre necessária, inclusive para sugerir sobre medidas preventivas, como por exemplo, a elaboração de um pacto antenupcial que preveja o afastamento da Súmula 377 garantindo a segurança jurídica.