30/12/24 por Amanda Rufato em Artigos

O ICMS compõe a base de cálculo do IRPJ/CSLL no lucro Presumido? Qual o posicionamento do STJ e a diferença para o lucro real?

O cenário evidencia a necessidade de uma revisão pela Suprema Corte para harmonizar os entendimentos e resguardar os preceitos constitucionais envolvidos

O ICMS compõe a base de cálculo do IRPJ/CSLL no lucro Presumido? Qual o posicionamento do STJ e a diferença para o lucro real?  O ICMS compõe a base de cálculo do IRPJ/CSLL no lucro Presumido? Qual o posicionamento do STJ e a diferença para o lucro real?   - Icon

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por maioria dos votos que o ICMS integra a base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) apurados no regime do lucro presumido. 

Essa decisão foi sob a sistemática de recursos repetitivos, assim, todos os tribunais do Brasil deverão replicar o entendimento em casos idênticos.  

Ocorre, que, é importante rememorar que o STF tem posicionamento diferente para o regime lucro real, isso porque, em sede de repercussão geral, ao analisar a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS nos autos do Recurso Extraordinário (RE) 574706 (Tema nº 69), o STF consolidou seu entendimento no sentido de que o ICMS não deve compor a base de cálculo das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), uma vez que se trata de mero ingresso no caixa empresarial, representado faturamento do Estado competente e não faturamento empresarial. Eis a síntese do entendimento adotado pela Suprema Corte: 

"EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. EXCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E COFINS. DEFINIÇÃO DE FATURAMENTO. APURAÇÃO ESCRITURAL DO ICMS E REGIME DE NÃO CUMULATIVIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Inviável a apuração do ICMS tomando-se cada mercadoria ou serviço e a correspondente cadeia, adota-se o sistema de apuração contábil. O montante de ICMS a recolher é apurado mês a mês, considerando-se o total de créditos decorrentes de aquisições e o total de débitos gerados nas saídas de mercadorias ou serviços: análise contábil ou escritural do ICMS. 2. A análise jurídica do princípio da não cumulatividade aplicado ao ICMS há de atentar ao disposto no art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, cumprindo-se o princípio da não cumulatividade a cada operação. 3. O regime da não cumulatividade impõe concluir, conquanto se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, não se incluir todo ele na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal. O ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS. 3. Se o art. 3º, § 2º, inc. I, in fine, da Lei n. 9.718/1998 excluiu da base de cálculo daquelas contribuições sociais o ICMS transferido integralmente para os Estados, deve ser enfatizado que não há como se excluir a transferência parcial decorrente do regime de não cumulatividade em determinado momento da dinâmica das operações. 4. Recurso provido para excluir o ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS. (RE 574706, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 15/03/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-223 DIVULG 29-09-2017 PUBLIC 02-10-2017)."

Conforme destacado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 574.706/PR, o ICMS não integra o conceito constitucional de faturamento ou receita, pois não constitui riqueza própria do contribuinte. Embora a tese fixada nesse recurso trate especificamente do PIS e da COFINS, o mesmo entendimento se aplica por analogia ao IRPJ e à CSLL, considerando que todos esses tributos têm como fundamento o conceito de receita bruta ou faturamento. 

E por que houve essa diferenciação entre os tribunais superiores e entre os regimes de apurações? 

No STJ, o voto vencedor foi do Ministro Gurgel de faria, ele afirmou que, o STF ao fixar o Tema nº 69 (não inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS) os ministros manifestaram sobre os conceitos de receita e faturamento na Constituição Federal para fins de incidência do PIS e da COFINS. Já no caso do IRPJ e da CSLL apurados pelo lucro presumido, a legislação infraconstitucional respalda a inclusão do ICMS na base de cálculo. Destaca-se o seguinte trecho de seu voto:  

O lucro real e o lucro presumido são regimes tributários que diferem na forma de determinação da base tributável. Enquanto no lucro real o cálculo é feito a partir do lucro efetivo no período de apuração, no lucro presumido são aplicados percentuais de uma tabela fixa de presunção. Só podem optar entre lucro real e presumido as empresas com faturamento anual até R$ 78 milhões. Para as que faturam acima desse patamar, a sistemática do lucro real é obrigatória. 

Por outro lado, em que pese a maioria dos ministros do STJ ter acompanhado o voto do Ministro Gurgel de Faria, a Ministra Relatora Regina Helena Costa defendeu que o ICMS, mesmo no regime do lucro presumido, não constitui receita bruta, portanto, não integra definitivamente o patrimônio das empresas, sendo somente um valor repassado aos cofres públicos, portanto, não deve ser tributado pelo IRPJ e pela CSLL.  

O voto da Ministra se amolda as razões de decidir do STF no Tema nº 69, a famigerada ‘tese do século”, contudo, o voto dela foi o vencedor. 

Com esse resultado do STJ trouxe uma diferenciação entre o lucro presumido e lucro real, ocasionando diversas violações de princípios constitucionais protetores, como por exemplo: violação ao princípio da isonomia, o qual proíbe que a legislação tributária estabeleça tratamento desigual entre contribuintes que se encontram em situações equivalentes, salvo se houver razões legítimas e proporcionais que justifiquem a diferenciação. Porém, o cenário atual revela um descompasso evidente: enquanto os contribuintes sujeitos ao regime do lucro real podem excluir o ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, por meio de deduções diretas que refletem de forma mais precisa o conceito de receita líquida e lucro real, os contribuintes do lucro presumido, que também recolhem esses tributos com base em uma sistemática relacionada ao faturamento, são compelidos a incluir o ICMS na base de cálculo, mesmo que este não represente receita ou acréscimo patrimonial. 

Coloca-se em relevo a similitude entre o Lucro Real versus o Lucro Presumido:  

 

Lucro Real 

 

Lucro Presumido 

No regime de lucro real, a tributação é feita com base no lucro efetivo da empresa, que corresponde à diferença entre a receita bruta e as despesas dedutíveis, incluindo os tributos pagos, como o ICMS. Assim, o valor referente ao ICMS não é incluído na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, pois trata-se de um valor meramente transitório que não compõe a receita ou o lucro da empresa. 

No regime de lucro presumido, o cálculo do IRPJ e da CSLL é realizado com base em uma presunção de lucro derivada da receita bruta, sem que haja qualquer exclusão do ICMS. Isso cria uma situação em que o ICMS, que não representa receita própria do contribuinte, é incorporado artificialmente à base de cálculo desses tributos. Esse tratamento diferenciado não possui justificativa razoável e resulta em oneração desigual entre contribuintes que estão sujeitos ao mesmo sistema jurídico-tributário. 

 

Verifica-se, portanto que, em ambos os casos o ICMS não integra no patrimônio da Empresa, não há lucro ou faturamento.  

A bem da verdade, essa diferenciação realizada pelo STJ resulta em um tratamento desigual e desarrazoado entre contribuintes que, em essência, estão submetidos a tributos sobre a mesma base econômica – o faturamento ou a receita bruta.  

A base de cálculo do lucro presumido é fixada com base em presunções de lucratividade, mas essas presunções não podem servir de justificativa para ignorar a realidade econômica subjacente: o ICMS não é receita da empresa, mas um valor que transita em seu caixa e é repassado aos cofres públicos estaduais. Ao permitir a exclusão do ICMS apenas para contribuintes do lucro real, cria-se um privilégio indevido para esse grupo, penalizando aqueles que optam pelo lucro presumido, muitas vezes por serem micro e pequenas empresas com menor capacidade administrativa e financeira para manter uma contabilidade mais complexa e detalhada. 

Dessa forma, não há razões lógicas e nem jurídicas para a decisão do STJ “O ICMS compõe a base de cálculo do IRPJ e da CSLL quando apurados na sistemática do lucro presumido.”  

A litigiosidade sobre esse tema está longe de terminar. Apesar de o STF ter considerado a questão como infraconstitucional, é provável que a palavra final recaia sobre ele, em razão de seu papel como guardião da Constituição Federal. Isso porque a decisão do STJ aparenta violar diretamente dispositivos constitucionais ao: 

(i) Desrespeitar o conceito de renda, faturamento e receita bruta, conforme já delineado pelo STF no Tema nº 69, ao permitir a inclusão de valores que não representam riqueza própria do contribuinte; 

(ii) Afrontar o Princípio da Capacidade Contributiva (art. 145, §1º da CF), ao tributar valores que não configuram efetivo acréscimo patrimonial ou riqueza econômica da empresa; e 

(iii) Violar o Princípio da Isonomia, criando um descompasso injustificável entre os regimes de lucro real e lucro presumido. Essa disparidade resulta em tratamento desigual entre contribuintes submetidos à mesma base econômica – faturamento ou receita bruta –, agravando distorções no sistema tributário nacional. 

Esse cenário evidencia a necessidade de uma revisão pela Suprema Corte para harmonizar os entendimentos e resguardar os preceitos constitucionais envolvidos. 

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