21/07/25 por Suélem Faria em Artigos

O que acontece com a parceria rural quando uma das partes morre? Guia jurídico e preventivo

Entenda como a sucessão impacta o contrato de parceria rural e quais cláusulas evitam conflitos entre herdeiros e produtores

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Por que todo produtor precisa entender o que acontece com o contrato de parceria rural em caso de morte?

A parceria rural é um instrumento jurídico amplamente adotado no campo brasileiro, especialmente no Centro-Oeste, e tem papel essencial na organização da produção agropecuária. Trata-se de um contrato agrário típico, disciplinado pelo Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964) e pelo Decreto nº 59.566/1966. Diferentemente de um contrato de arrendamento, a parceria rural é baseada na cooperação: uma parte entra com a terra, outra com insumos, mão de obra ou maquinário, e os frutos da produção são repartidos conforme o pactuado.

 

Mas afinal, o que acontece com a parceria rural quando uma das partes morre?
O contrato é encerrado? Os herdeiros podem ou devem continuar? Essas dúvidas são comuns na prática e a ausência de respostas claras pode comprometer a produção, gerar disputas entre familiares e colocar o patrimônio em risco. Entender os efeitos da sucessão no contrato de parceria rural é essencial para garantir segurança jurídica e continuidade no campo.

 

Parceria rural não é arrendamento: entenda a diferença

No arrendamento, o proprietário do imóvel cede a terra mediante pagamento fixo, por prazo determinado. O arrendatário assume integralmente o risco da produção e a remuneração do proprietário independe do sucesso da safra — trata-se, portanto, de uma lógica semelhante ao aluguel.

Na parceria rural, a lógica é de divisão de riscos e resultados: ambas as partes contribuem para a produção e partilham os frutos conforme sua participação. Essa proporcionalidade deve refletir a realidade das contribuições, conforme previsto no art. 4º do Decreto nº 59.566/1966, alinhando-se aos princípios de justiça social do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964), arts. 13 e 96.

 

As cinco modalidades de parceria rural

A legislação prevê cinco tipos de parceria rural (art. 5º do Decreto nº 59.566/1966):

  • Agrícola
  • Pecuária
  • Extrativista vegetal
  • Extrativista animal
  • Agroindustrial
  • Mista

A natureza do contrato deve estar clara desde a formalização — especialmente se o objetivo for evitar litígios futuros, comuns em situações de falecimento e contrato rural.

 

O contrato de parceria rural termina com a morte de uma das partes?

Não. A morte de uma das partes não extingue automaticamente o contrato de parceria rural. Embora não haja previsão expressa no Estatuto da Terra ou no Decreto nº 59.566/1966 quanto à transmissibilidade do contrato, o entendimento consolidado da jurisprudência — especialmente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça — reconhece que o contrato permanece vigente, com a sub-rogação dos direitos e obrigações do falecido em favor de seus herdeiros.

Esse entendimento decorre da aplicação do princípio da saisine, previsto no art. 1.784 do Código Civil, segundo o qual a herança se transmite automaticamente aos herdeiros com a abertura da sucessão. Na prática, isso significa que o espólio (representado pelo inventariante) assume temporariamente a posição contratual do falecido, até que o patrimônio seja partilhado. Após a partilha, os herdeiros passam a figurar diretamente como sucessores da parte no contrato, proporcionalmente à fração que cada um herdou.

A 3ª Turma do STJ, no REsp 1.459.668/MG, julgado em 05/12/2017 e publicado no DJe em 18/12/2017, consolidou esse entendimento: a parceria rural não se extingue com a morte, e os herdeiros só poderão exercer o direito de retomada do imóvel ao fim do contrato, desde que observados os prazos e condições legais. A íntegra da notícia oficial pode ser consultada no site do STJ:
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2018/2018-02-09_09-52_Retomada-do-imovel-rural-pelos-sucessores-pode-se-dar-ao-fim-do-contrato-de-parceria.aspx

 

E após a partilha?

Com a partilha dos bens, os herdeiros que receberam os direitos sobre a parceria assumem a posição contratual. Se o bem for dividido entre dois ou mais herdeiros, todos passam a figurar no contrato na proporção de sua titularidade.1

 

E se o parceiro for uma pessoa jurídica e um dos sócios falecer?

A morte de sócio de pessoa jurídica parceira não extingue, por si só, o contrato de parceria rural. A regra geral é a preservação da continuidade do vínculo contratual, mas o efeito prático dependerá da forma societária, do conteúdo do contrato social e das decisões dos herdeiros e sócios remanescentes:

  • Se o sócio falecido for apenas um entre vários, a sociedade permanece ativa e o contrato de parceria se mantém válido, sem necessidade de alteração imediata;
  • Se o falecido for o sócio majoritário, administrador ou o único sócio (como em sociedades limitadas unipessoais), o espólio o representará no contrato até que se conclua a regularização societária;
    • A regularização pode ocorrer por:
      • Substituição do sócio falecido por herdeiros, com alteração contratual;
      • Nomeação de novo administrador;
      • Liquidação da quota com pagamento aos herdeiros;
      • Dissolução parcial ou total da empresa, conforme previsto no art. 1.028 do Código Civil e nos termos do contrato social.

Se houver cláusula contratual na parceria prevendo rescisão automática em caso de extinção da sociedade parceira, ou se a empresa vier a ser dissolvida sem sucessor, o contrato poderá ser encerrado. Nessas hipóteses, o parceiro-outorgante ou outorgado remanescente poderá ser afetado, sobretudo em caso de colheita em curso ou investimentos não amortizados.

Por isso, é recomendável prever no contrato de parceria cláusulas específicas para esses cenários, resguardando o direito à colheita, a continuidade temporária até o fim do ciclo produtivo, ou ainda a substituição da empresa parceira por outra controlada pelos mesmos herdeiros ou sócios.

 

Quando os herdeiros não podem ou não querem assumir?

A sucessão legal permite a continuidade do contrato, mas pode haver impossibilidades práticas:

  • Técnica: herdeiros sem conhecimento sobre a produção.
  • Jurídica: herdeiros menores de idade ou incapazes.
  • Econômica: impossibilidade de arcar com insumos ou maquinário.
  • Residência no exterior: pode dificultar o cumprimento contratual.

 

E se o parceiro-outorgado for um dos filhos do parceiro-outorgante?

É comum que pai ou mãe sejam parceiros-outorgantes e tenham filhos como parceiros-outorgados. Nesses casos, o falecimento do ascendente não encerra automaticamente o contrato, mas pode gerar conflitos com os demais herdeiros.

É recomendável prever cláusulas específicas como:

  • Reconhecimento prévio do filho como legítimo parceiro-outorgado;
  • Permanência até o fim do contrato, mesmo com a morte do ascendente;
  • Indicação de quem representará o espólio;
  • Mecanismos de mediação para conflitos entre herdeiros.

 

Quais os riscos de não prever cláusulas de falecimento no contrato?

  • Litígios entre herdeiros;
  • Descontinuidade da produção;
  • Perda do controle sobre a terra ou sobre os frutos;
  • Insegurança jurídica durante o inventário.

 

 

Direito de preferência: ponto de atenção na parceria rural
Embora o Estatuto da Terra assegure ao arrendatário o direito de preferência na aquisição do imóvel rural (art. 92), essa previsão legal não se estende automaticamente ao contrato de parceria rural. Na prática, a preferência do parceiro-outorgado na compra da terra não está prevista expressamente em lei, mas pode ser contratualmente estipulada pelas partes.

Já quanto à renovação do contrato, não há previsão legal obrigatória de preferência para o parceiro-outorgado, mas cláusulas nesse sentido também podem ser incluídas contratualmente como forma de garantir maior estabilidade à relação entre as partes.

 

Checklist do contrato ideal de parceria rural

  • Cláusula sobre sucessão e falecimento;
  • Prazo mínimo de 3 anos;
  • Contribuições claras de cada parte;
  • Definição da natureza da parceria;
  • Critérios de divisão dos frutos;
  • Regras para renovação e rescisão;
  • Identificação das partes e área cedida;
  • Indicação de representante dos herdeiros no inventário;
  • Evitar cláusulas de pagamento fixo (para não descaracterizar a parceria).

 

Conclusão

A morte de uma das partes em um contrato de parceria rural não precisa ser sinônimo de incerteza. Com cláusulas claras, planejamento jurídico e previsões contratuais bem estruturadas, é possível garantir a continuidade da produção e a proteção do patrimônio rural.

Mais do que um contrato, a parceria rural é uma engrenagem do agronegócio brasileiro — e entender seus desdobramentos sucessórios é proteger a lavoura, a família e o futuro.

Quer revisar seus contratos de parceria rural? Fale com um advogado especializado e evite inseguranças jurídicas.

Fontes: Estatuto da Terra, Decreto nº 59.566/1966, Código Civil, jurisprudência do STJ (REsp 1.459.668/MG) e análise especializada.

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