29/07/25 por Cristina Viana em Artigos

Garantia com segurança e sem judicialização: a nova conta notarial na prática

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O Conselho Nacional de Justiça publicou, em junho de 2025, o Provimento nº 197/2025, regulamentando a chamada conta notarial vinculada — mecanismo que permite o depósito de valores em cartório de notas, com liberação condicionada ao cumprimento de cláusulas contratuais previamente estabelecidas pelas partes.

Trata-se de importante inovação normativa voltada à segurança jurídica nas transações privadas, especialmente nas operações imobiliárias, sucessórias e societárias, consolidando o papel do tabelião como terceiro imparcial na estruturação e no cumprimento de negócios jurídicos.

O que é a conta notarial vinculada?

A conta notarial vinculada, também conhecida como "escrow notarial", consiste em um serviço prestado pelos cartórios de notas, por meio de convênios com instituições financeiras, no qual valores são depositados pelas partes de um negócio e só são liberados após o cumprimento de condições específicas, previamente formalizadas em escritura pública, ata notarial ou outro instrumento.

Esses valores são mantidos em conta segregada, não integram o patrimônio das partes nem do cartório, e têm natureza impenhorável (exceto quando diretamente vinculados ao negócio jurídico garantido).

O Provimento do CNJ regulamenta o §1º do art. 7º-A da Lei nº 8.935/1994, incluído pela Lei nº 14.620/2023 — conhecida como Lei das Garantias — que já previa a possibilidade de os notários manterem contas vinculadas para guarda e liberação de valores relacionados a atos praticados em cartório.

Embora a previsão legal tenha sido um avanço relevante ao reconhecer a escrow notarial no ordenamento jurídico brasileiro, foi apenas com o Provimento CNJ nº 197/2025 que essa previsão ganhou contornos práticos, operacionais e procedimentais claros.

Agora, a norma detalha:

- A obrigatoriedade de convênios com instituições financeiras;

- As condições formais para abertura, movimentação e liberação de valores;

- A atuação do tabelião como gestor e depositário fiel;

- A formalização de todas as movimentações por meio de ata notarial.

Essa regulamentação é o que efetivamente permite que a conta notarial vinculada se torne operacional e confiável como instrumento jurídico de apoio à estruturação de negócios, colocando os cartórios de notas como agentes de confiança institucional na execução de obrigações.

Aplicações práticas: quando utilizar?

O Provimento nº 197/2025 abre espaço para soluções práticas em diversas frentes:

1. Compra e venda de imóveis

Na venda de imóveis com pendências documentais, fiscais ou urbanísticas, é possível condicionar o pagamento à entrega da CND, à regularização da matrícula ou à aprovação de desmembramento/loteamento. O comprador deposita o valor no cartório e o vendedor só o recebe após cumprir as obrigações.

2. Operações societárias

Na cessão de quotas ou ações, o comprador pode condicionar parte do preço à verificação de passivos ocultos ou à homologação de atos pela Junta Comercial. A conta vinculada atua como garantia adicional à due diligence.

3. Inventários e partilhas

Em procedimentos extrajudiciais, pode-se depositar valores que dependem de homologação judicial, quitação de tributos ou cumprimento de condições específicas por herdeiros.

4. Contratos de prestação de serviço

O contratante pode depositar o valor acordado, a ser liberado após a entrega efetiva do objeto do contrato, resguardando ambas as partes de descumprimentos ou atrasos.

A regulamentação da conta notarial vinculada pelo CNJ representa um avanço relevante na consolidação de mecanismos extrajudiciais mais eficientes, seguros e compatíveis com a realidade dos negócios modernos. Ao trazer previsibilidade para o cumprimento de obrigações contratuais, o novo serviço prestado pelos cartórios de notas passa a se destacar como alternativa prática às tradicionais cauções judiciais e aos modelos de escrow privados — que, em geral, envolvem custos mais elevados e maior burocracia.

Entre os principais benefícios, destacam-se:

  1. Segurança: evita judicialização, assegura neutralidade na guarda dos valores e garante que só sejam liberados mediante o adimplemento das condições pactuadas;
  2. Celeridade: dispensa mecanismos mais onerosos como depósito judicial ou contratação de instituições financeiras privadas para gestão de valores em garantia;
  1. Eficiência notarial: valoriza a função pública do tabelião de notas, conferindo mais protagonismo à via extrajudicial e ampliando sua atuação como agente de confiança institucional na formalização e no cumprimento de obrigações.

Embora a conta notarial vinculada represente um avanço importante em termos de segurança e previsibilidade, a eficácia desse mecanismo depende diretamente da qualidade técnica dos instrumentos jurídicos que lhe dão suporte.

Como a liberação dos valores está condicionada ao cumprimento de obrigações contratuais específicas, qualquer imprecisão na redação pode gerar dúvidas, atrasos ou mesmo disputas entre as partes, comprometendo justamente o objetivo de evitar conflitos.

Por isso, é fundamental atenção redobrada na fase de estruturação, especialmente nos seguintes pontos:

  1. Clareza nas condições de liberação: devem ser formuladas de forma objetiva, sem margem para interpretações ambíguas;
  2. Formalização adequada das obrigações: os deveres de cada parte precisam constar em escritura pública, ata notarial ou contrato com força executiva, evitando informalidades;
  3. Previsão de hipóteses de inadimplemento: é recomendável estabelecer desde o início o destino dos valores em caso de descumprimento, litígio ou dúvida sobre o cumprimento da obrigação.

A conta vinculada é um instrumento potente, mas que exige planejamento e técnica jurídica refinada. O sucesso da operação começa na elaboração dos instrumentos.

O Provimento 197/2025 consolida a tendência de valorização dos meios extrajudiciais de solução e prevenção de conflitos. A advocacia, especialmente no âmbito contratual e imobiliário, ganha uma ferramenta adicional para estruturar negócios complexos com mais previsibilidade e menor exposição a litígios.

O uso estratégico da conta notarial vinculada exige, no entanto, atuação técnica especializada, tanto na modelagem jurídica dos instrumentos quanto na definição das condições de liberação, que devem ser pensadas com foco em equilíbrio, segurança e viabilidade prática.

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