25/08/25 por Ana Vitorino em Artigos

CIB obrigatório, Sinter imediato: o que a IN 2.275/25 muda no mercado imobiliário

CIB obrigatório, Sinter imediato: o que a IN 2.275/25 muda no mercado imobiliário CIB obrigatório, Sinter imediato: o que a IN 2.275/25 muda no mercado imobiliário - Icon

A Receita Federal publicou a IN 2.275/25, em vigor desde 18 de agosto de 2025, que mexe com a rotina de quem compra, vende, registra, financia ou audita imóveis no Brasil. A regra faz duas coisas ao mesmo tempo: manda os cartórios enviarem, logo após cada escritura ou registro, os dados da operação para um sistema nacional chamado Sinter; e obriga o uso do CIB, um número único que identifica cada imóvel, pense nele como o “CPF do imóvel”. Com isso, as informações passam a circular de forma padronizada e verificável entre cartórios e administrações tributárias, reduzindo dúvidas, atalhos e zonas cinzentas.

Na prática, toda operação formalizada em cartório ganha um rastro digital oficial, quem fez, o quê, quando e onde. Esse envio é eletrônico, segue um padrão técnico e acontece imediatamente depois do ato. O CIB, por sua vez, passa a constar dos documentos e sistemas dos cartórios e, por consequência, dos instrumentos particulares e públicos que tratam daquele imóvel. A lógica é simples: se todos falam do mesmo bem usando o mesmo código, a chance de erro, confusão ou “troca de área” cai bastante. A norma prevê que, se alguém deixar de cumprir esses passos, o caso pode ser comunicado ao CNJ, com possibilidade de sanções, mas sempre com direito à defesa. E, se for necessário ajustar a parte operacional, a Receita e o Comitê do IBS podem detalhar rotinas e formatos de envio por atos complementares.

Esse novo desenho tem impacto direto nos contratos. Promessas de compra e venda, escrituras, cessões, garantias reais e operações de securitização tendem a trazer o CIB de forma expressa, porque isso reduz ambiguidades, acelera diligências e encurta o caminho até seguros e financiamentos. Como os dados da operação serão reportados logo após o ato, vale incluir nos contratos uma cláusula simples combinando dever de cooperação entre as partes, declaração de que as informações prestadas são verdadeiras, definição de quem responde se algo for omitido ou estiver errado e um passo a passo para correções. Também é prudente deixar dito, de antemão, que o instrumento se ajusta automaticamente se a Receita e o Comitê do IBS aperfeiçoarem o procedimento.

Outro ponto sensível é o “valor de referência”, que é uma estimativa legal de preço de mercado formada com base nessas informações. Ele não “vira o preço” do seu contrato, mas pode influenciar discussões sobre tributos e garantias. Por isso, se o seu acordo tem mecanismos de preço, como ajuste, earn-out, opções ou cláusula de “preço líquido”, convém explicar em português claro como essa estimativa conversa com os gatilhos financeiros, com as garantias e com seguros, evitando que qualquer índice se aplique automaticamente sem critério. Nada disso elimina a proteção de dados: a LGPD continua valendo, e é saudável informar quais dados serão enviados, por quê e quem se responsabiliza por erros ou vazamentos.

No dia a dia das empresas do setor, incorporadoras, SPEs e holdings, a mudança pede organização interna. Incluir o CIB e o envio ao Sinter nas políticas da casa, nos checklists de fechamento e nas responsabilidades de cada área ajuda a evitar retrabalho. Em portfólios com muitos lotes ou unidades, o CIB também arruma o cadastro e diminui confusão. Os administradores podem, e devem, cobrar recibos de envio e um histórico do que foi corrigido, porque isso prova que a empresa cumpriu prazos e reduz desgaste numa eventual fiscalização.

Dito isso, é preciso encarar o ponto central: o ganho de organização é pequeno perto do impacto fiscal. A partir do momento em que os cartórios passam a alimentar, quase em tempo real, uma estimativa oficial de valor de mercado (“valor de referência”), o Fisco passa a ter um parâmetro concreto para confrontar o preço declarado nas operações. Na prática, isso aperta o cerco contra subavaliações e puxa para cima a base de cálculo dos impostos de transmissão (ITBI e ITCMD) em boa parte dos casos, com mais questionamentos e autuações quando houver diferença relevante entre o preço do contrato e o valor estimado. Mesmo onde a lei diga que o imposto toma por base o valor da transação, o “valor de referência” fortalece a fiscalização e eleva o custo de brigar por uma base menor.

O efeito no caixa é direto, negócios que antes fechavam “no limite” podem ficar mais caros depois de somados ITBI/ITCMD recalculados, multas e juros em caso de divergência. Por isso, além de atualizar minutas para citar o CIB e prever o envio ao Sinter, vale planejar o imposto antes da assinatura, simular cenários com o “valor de referência” e amarrar no contrato quem paga a diferença, se houver, seja por meio de recomposição de preço, colchão/escrow para contingências tributárias ou regras de repactuação se a base subir além de um certo patamar. Transparência é bem-vinda, mas sem um plano fiscal claro ela vira custo.

Para o mercado, é verdade que a checagem fica mais rápida, com CIB e reporte ao Sinter, ônus, histórico e atos correlatos aparecem com mais facilidade, e bancos e investidores ganham segurança. Só que eles também vão precificar esse novo ambiente: a tendência é pedirem CIB nos dossiês, comprovantes de transmissão e margem para eventual aumento de imposto. Em contratos de empreitada, built to suit, locações atípicas e cessões de recebíveis, convém combinar quando e como atualizar dados, como cooperar com os cartórios e quais as consequências se o envio atrasar ou sair errado, para que a operação não emperre e, principalmente, não estoure no imposto.

A implementação corre ao longo do segundo semestre de 2025, com testes e entrada em produção até dezembro. Em bom português: a virada já começou, e quem se adapta cedo, ajustando governança, planejando o imposto com base no “valor de referência” e repartindo esse risco no contrato, reduz surpresa desagradável, evita brigas desnecessárias e negocia melhor com bancos, fundos e compradores. O resultado pode até ser um ambiente mais transparente, mas o efeito que mais pesa no bolso é a tendência de alta na carga de ITBI/ITCMD quando o valor estimado pelo sistema ficar acima do preço declarado.

  • Compartilhe

Nós usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nosso site. Ao navegar em nosso site, você concorda com tal monitoramento. Política de privacidade

Prosseguir