STJ fixa prazo de 10 anos para devolução de comissão de corretagem por atraso na entrega do imóvel

Atraso na entrega de um imóvel pode ser um problema para o comprador. Além da frustração, surge a dúvida: é possível reaver a comissão de corretagem? E por quanto tempo?
Em 14 de agosto de 2025, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) encerrou uma discussão que há anos dividia consumidores, incorporadoras e tribunais: qual é o prazo prescricional para pedir a devolução da comissão de corretagem quando o contrato de compra e venda de imóvel é rescindido por atraso na entrega?
Por unanimidade, a 2ª Seção fixou que o prazo é de dez anos, aplicando-se a regra geral do artigo 205 do Código Civil, e afastando a tese de que se trataria de enriquecimento sem causa, hipótese que atrairia o prazo trienal do artigo 206, §3º, IV, do mesmo diploma.
Embora trate de um caso específico do mercado imobiliário, a decisão tem potencial reflexo sobre outras relações contratuais, pois consolida o entendimento de que, quando a pretensão decorre de inadimplemento contratual, e não há prazo específico previsto em lei, aplica-se o prazo decenal.
O cenário antes da decisão
Antes desse julgamento, a jurisprudência do STJ oscilava entre duas interpretações:
- Prazo de três anos – previsto no art. 206, §3º, IV, do Código Civil, aplicado às hipóteses de enriquecimento sem causa, consolidado no Tema 938 dos recursos repetitivos, que tratou de devolução de comissão de corretagem cobrada abusivamente no ato da contratação.
- Prazo de dez anos – previsto no art. 205 do Código Civil, aplicado em casos de inadimplemento contratual, como atraso na entrega do imóvel, adotado em precedentes das 3ª e 4ª Turmas, mas sem uniformidade entre os colegiados.
Essa divergência gerava insegurança jurídica. Incorporadoras invocavam o Tema 938 para encurtar o prazo mesmo em hipóteses de atraso; consumidores, por outro lado, defendiam o prazo decenal, equiparando-o ao das indenizações por inadimplemento.
O entendimento firmado pelo STJ
No caso analisado em agosto de 2025 pelo STJ, o Tribunal de Justiça do Ceará havia aplicado o prazo de dez anos para a devolução da corretagem. A incorporadora recorreu ao STJ, defendendo a aplicação do Tema 938.
O relator, ministro Humberto Martins, afastou essa tese e esclareceu que a devolução, nessa hipótese, não se funda em enriquecimento sem causa, mas em responsabilidade contratual decorrente de inadimplemento da incorporadora. Assim, não se aplica o prazo trienal, mas sim a regra geral do art. 205.
O ministro também destacou dois pontos relevantes:
- Marco inicial da prescrição – o prazo de dez anos começa a correr a partir da ciência da recusa na devolução da comissão, e não da data do inadimplemento ou da rescisão.
- Natureza da pretensão – trata-se de caso de resolução contratual, que cria uma nova relação jurídica voltada à liquidação, afastando definitivamente a aplicação da tese do enriquecimento sem causa.
Tema 1.099 e o alcance da decisão
O julgamento foi fixado sob o rito dos recursos repetitivos, inaugurando o Tema 1.099 do STJ. Esse sistema, previsto no Código de Processo Civil (arts. 1.036 a 1.041), permite que o Tribunal analise um recurso representativo de controvérsia e estabeleça uma tese jurídica vinculante para todos os casos idênticos no país.
Isso significa que a orientação firmada pela 2ª Seção — de que o prazo prescricional para restituição da comissão de corretagem, quando há rescisão por atraso na entrega do imóvel, é de dez anos — deve ser aplicada obrigatoriamente por todos os juízes e tribunais, inclusive nas instâncias inferiores.
Ainda que o caso concreto tenha sido encerrado por acordo, o STJ manteve a fixação da tese para uniformizar a jurisprudência, destravar milhares de processos sobrestados e oferecer previsibilidade a consumidores, incorporadoras e ao mercado imobiliário.
Tema 1.099, Lei do Distrato e a devolução da corretagem
A Lei nº 13.786/2018 (Lei do Distrato), que alterou a Lei nº 4.591/1964 (Lei de Incorporações), prevê no art. 67-A, §5º, que o valor da comissão de corretagem deve ser pago diretamente pelo adquirente ao corretor ou à empresa intermediadora, não integrando o preço do imóvel.
A interpretação predominante, reforçada pelo Tema 938/STJ, é que, havendo efetiva prestação do serviço de intermediação e ausência de culpa do vendedor, não há devolução da corretagem, mesmo que o comprador rescinda o contrato de forma imotivada.
O Tema 1.099 não altera essa regra, mas a complementa: quando a rescisão se dá por culpa do vendedor, como nos casos de atraso na entrega do imóvel, a devolução da corretagem passa a ser devida como parte do desfazimento do
negócio.
Assim, a conciliação é simples:
- Rescisão por culpa do comprador → Lei do Distrato e Tema 938: comissão legítima, sem devolução.
- Rescisão por culpa do vendedor → Tema 1.099: devolução da comissão é devida, com prazo de 10 anos para ajuizar a ação.
E quando a rescisão é imotivada pelo comprador?
A devolução da comissão de corretagem não é automática em toda e qualquerrescisão contratual. Quando a incorporadora cumpre integralmente suas obrigações — especialmente quanto ao prazo de entrega — e o comprador solicita a rescisão sem motivo imputável à vendedora, o tratamento é distinto.
Nessas hipóteses, o STJ já decidiu reiteradamente que não há obrigação de devolver a comissão. Isso porque a corretagem é devida pelo serviço de intermediação, prestado no momento da celebração do contrato, e sua remuneração não depende da execução futura do negócio.
Caso o comprador questione a cobrança, alegando que foi indevida desde o início, a situação se enquadra no Tema 938, atraindo o prazo prescricional de três anos, por se tratar de enriquecimento sem causa.
Reflexos para contratos de prestação de serviços
A lógica firmada pelo STJ pode ser aplicada fora do setor imobiliário. Em um contrato de prestação de serviços firmado em 2019, por exemplo, se houver inadimplemento contratual, e a cobrança não estiver vinculada a um título de crédito sujeito a prazo menor, há espaço para sustentar a aplicação do prazo decenal.
É preciso, contudo, atenção a dois pontos:
- Se houver título de crédito (como duplicata ou nota promissória), a execução prescreve em três anos.
- O protesto, por si só, não interrompe a prescrição; somente o ajuizamento de ação ou o reconhecimento da dívida (art. 202 do CC) têm esse efeito.
Conclusão
A decisão do STJ representa um marco para o direito contratual ao consolidar que, em casos de inadimplemento, o prazo prescricional é de dez anos, salvo disposição legal em contrário. No mercado imobiliário, ela afasta a aplicação indiscriminada do Tema 938 e harmoniza-se com a Lei do Distrato, deixando claro que a devolução da corretagem só é devida quando a rescisão decorre de culpa do vendedor.
Para consumidores, significa mais tempo para buscar a reparação. Para empresas — sejam incorporadoras, corretores de imóvies, prestadoras de serviços ou de outros setores —, o alerta é claro: passivos contratuais podem perdurar por uma década.
Diante disso, é imprescindível a adoção de políticas de compliance, controle rigoroso de prazos e estratégias de prevenção de litígios, para evitar que discussões antigas se transformem em ações judiciais de grande impacto econômico.
A orientação na ocasião da elaboração do contrato por um profissional especializado é essencial para garantir segurança para os envolvidos na operação.