26/09/25 por Caroline Adorno em Artigos

A Alienação de Bens Imóveis entre Ascendentes, Descendentes e Cônjuges: Limites e Reflexos Legais

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O Direito Civil brasileiro, atento à proteção da família, da legítima sucessória e da segurança jurídica das transações imobiliárias, estabelece regras específicas para a alienação de bens entre parentes próximos. Em especial, destacam-se as restrições quanto à venda de imóveis entre ascendentes e descendentes (art. 496 do Código Civil) e entre cônjuges (art. 499 do Código Civil).

O tema possui relevância prática nos tabelionatos de notas, que enfrentam diariamente a necessidade de compatibilizar a vontade das partes com as exigências legais, de modo a prevenir nulidades e evitar litígios futuros.

1. Venda de Ascendente para Descendente.

O art. 496 do Código Civil dispõe:

"É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido”.

A ratio legis é clara: evitar que, sob a aparência de um contrato oneroso, o ascendente favoreça determinado descendente em detrimento dos demais, caracterizando antecipação irregular de legítima.

Assim, exige-se:

  1. Anuência expressa dos demais descendentes, sob pena de anulabilidade;
  2. Consentimento do cônjuge do alienante, ressalvada a hipótese de separação obrigatória de bens, em que, havendo descendentes, não há direito hereditário.

A ausência desses consentimentos não implica nulidade absoluta, mas torna o ato anulável, abrindo espaço para futuras contestações judiciais. No âmbito notarial, consolidou-se a prática de colher tais anuências em cláusula própria da escritura, prevenindo questionamentos posteriores.

2. Preço vil e simulação de doação.

Mesmo com os consentimentos exigidos, a venda realizada por preço incompatível com o valor de mercado pode ser desconsiderada como compra e venda, sendo requalificada como doação em adiantamento de legítima. Nessa hipótese, aplicam-se as regras da colação (art. 2.002 do CC) e, eventualmente, incide o ITCMD em substituição ao ITBI.

A jurisprudência tem reafirmado que o valor irrisório descaracteriza a natureza onerosa do contrato, atraindo os efeitos típicos da liberalidade. Por isso, é papel do advogado especialista advertir as partes sobre os reflexos tributários e sucessórios decorrentes da operação.

3. A venda entre cônjuges: limites do art. 499 do CC.

O art. 499 do Código Civil prevê:

" É lícita a compra e venda entre cônjuges, com relação a bens excluídos da comunhão.”

A lei admite a circulação de bens dentro do casal, mas com restrições vinculadas ao regime de bens:

  • Comunhão universal: inviável, pois todos os bens já pertencem a ambos;
  • Comunhão parcial: possível apenas quanto a bens particulares de um dos cônjuges;
  • Separação convencional (total de bens): plenamente admitida, dado que cada cônjuge administra livremente o próprio patrimônio;
  • Separação obrigatória: vedada pelo legislador, embora a Súmula 377 do STF reconheça a comunicabilidade dos bens adquiridos na constância do casamento, impondo cautela redobrada.

Importante destacar que, diferentemente da alienação entre ascendentes e descendentes, a anuência dos filhos não é exigida na venda entre cônjuges, já que o negócio se limita ao âmbito patrimonial do casal.

Conclusão.

A venda de imóveis entre ascendentes e descendentes e a alienação entre cônjuges inserem-se em um espaço de interseção entre a autonomia privada e a ordem pública familiar, com normas cogentes inerentes ao Direto de Família e ao Direito Sucessório.

No primeiro caso, a exigência de anuência dos demais herdeiros e do cônjuge do alienante assegura a preservação da igualdade sucessória. No segundo, a observância do regime de bens, em especial a peculiaridade da separação obrigatória à luz da Súmula 377/STF, garante a regularidade e a legitimidade da transação.

Não se trata de vedação à liberdade de contratar, mas de condições legais necessárias à harmonização entre o direito de dispor e a tutela do núcleo familiar e sucessório. O cumprimento desses requisitos é indispensável para conferir validade ao negócio jurídico e estabilidade às relações patrimoniais de família.

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