07/07/21 por Daniela Coimbra em Artigos , Direito Societário

A distribuição desproporcional de lucros ou dividendos nas sociedades limitadas

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A distribuição de lucros de uma sociedade representa a partilha dos resultados decorrentes do exercício da atividade empresarial.

 

O Código Civil estabelece em seu artigo 1008 que todos os sócios devem participar dos lucros e perdas da sociedade, bem como determina que é nulo qualquer ajuste contratual que exclui o sócio de tal participação. Isto porque é um dos principais direitos de um sócio ou acionista a participação nos lucros. Já em seu artigo 1007 existe uma excepcionalidade a tal direito dos sócios diante da expressão “salvo estipulação em contrário”, ou seja, os sócios são livres para estabelecer a possibilidade de distribuição dos resultados sociais diferentes da proporção de suas respectivas quotas.

 

“Art. 1.007. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas”.

 

Trata-se da aplicação de uma das características das sociedades limitadas, qual seja: a contratualidade que permite negociação de disposições entre os sócios no contrato social, de acordo com a vontade destes, onde a margem para negociações existe e pode ser formalizada. Tal característica permite a liberdade de estipulação pelos sócios de quais serão os requisitos para distribuição dos lucros, bem como se existirão condições para a distribuição desproporcional nos resultados sociais.

 

Uma situação muito frequente ocorre nas sociedades limitadas quando um sócio possui a atribuição, ou a facilidade, em captar clientes. No contrato social desta sociedade os sócios, portanto, podem estabelecer que tal sócio pode fazer jus a uma maior participação nos lucros, caso ele efetivamente seja o responsável direto pelo aumento dos lucros da referida sociedade em determinado período. Note-se que o Código Civil aceita e legitima a distribuição desproporcional à participação de cada sócio no capital social, mas todos precisam receber uma parcela deste lucro.

 

O Departamento de Registro Empresarial e Integração - DREI deixa claro que concorda com a estipulação livre dos sócios sobre a distribuição dos lucros na limitada, por força do artigo 997, VII do Código Civil que estabelece:

 

“A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas”.

 

Nas sociedades anônimas, por outro lado, não existe a prerrogativa de distribuição desproporcional de lucros. Cada ação dá direito a receber o dividendo equivalente ao resultado da Companhia.

 

Tributação do Imposto de Renda

 

Sobre a tributação, inexiste qualquer vinculação da isenção do Imposto de Renda somente sobre os lucros ou dividendos distribuídos de forma proporcional à participação de cada sócio no capital social. A Receita Federal já manifestou o entendimento na Solução de Consulta DISIT 46/10 de que os lucros distribuídos aos sócios de forma desproporcional à sua participação no capital social são isentos do imposto e não se sujeitam à incidência de contribuição previdenciária, desde que tal distribuição esteja devidamente estipulada no contrato social, em conformidade com a legislação societária.

 

Na mesma solução de consulta, ficou consignado que não incide a contribuição previdenciária sobre os lucros distribuídos aos sócios “quando houver discriminação entre a remuneração decorrente do trabalho (pro labore) e a proveniente do capital social (lucro) e tratar-se de resultado já apurado por meio de demonstração do resultado do exercício.- DRE” e que, também “estão abrangidos pela não incidência os lucros distribuídos aos sócios de forma desproporcional à sua participação no capital social, desde que tal distribuição esteja devidamente estipulada pelas partes no contrato social, em conformidade com a legislação societária”.

 

Forma de instrumentalização

 

È necessário que exista no contrato social a menção expressa à possibilidade de distribuição desproporcional e, note-se, não existe em nenhum momento autorização legal para supressão de distribuição de lucros a um sócio. Como dito, o Código Civil determina que todos os sócios tem direito a receber lucros e neste artigo estamos apresentando a alternativa legal de que tal lucro seja distribuído de forma diferente, ou seja, um sócio pode vir a receber menos do lucro auferido, mas nunca poderá ser totalmente excluído de uma parcela dos lucros.

 

Uma redação geralmente utilizada nos contratos sociais que estabelecem a distribuição de lucros é a seguinte: “A distribuição dos lucros será feita mensalmente, ou por outra periodicidade que convier à sociedade permitida em lei, proporcionalmente a participação de cada sócio no capital social, entretanto, poderá ser feita de forma desproporcional, conforme autoriza o art. 1.007 do Código Civil, desde que através de deliberações prévias em Reunião de Sócios, mediante consenso unânime dos sócios.”

 

Importante comentar que no contrato social não se estabelece parcela do lucro atribuída à um ou outro sócio de forma fixa, ou previamente, mas sempre após deliberação. Se esta for uma realidade da sociedade, o recomendável seria a alteração contratual e definição de novos patamares de participação após ajustes de compra e venda de quotas entre os sócios. No contrato social deve existir a previsão de distribuição desproporcional de lucros, a depender de deliberação prévia entre os sócios, em reunião, onde tais números serão apresentados e aprovados à unanimidade dos sócios.

 

E este é um detalhe importante que merece atenção, sendo que por diversas vezes nos deparamos com distribuições desproporcionais registradas contabilmente sem o instrumento comprobatório de aprovação pelos sócios (exigida por lei), que usualmente é a ata de reunião. Não existe obrigatoriedade de registro da ata de reunião na Junta Comercial, tampouco que ela seja formalizada mensalmente, entretanto sugerimos de alguma forma o registro da época da deliberação, seja pelo método de reconhecimento de firma das assinaturas em cartório ou a assinatura eletrônica, para que fique documentada a data daquela deliberação.

 

O registro na Junta Comercial ainda é a melhor opção para revestir a deliberação de forma inconteste, não podendo ser alegado pela Receita Federal, por exemplo, suposta ocorrência de pagamento de pró-labore diante de uma distribuição desproporcional de lucros que tenha a previsão no contrato social para ocorrer e, ainda, comprovada documentalmente a deliberação societária para ser concretizada.

 

Não obstante, reforçarmos a relevância desta formalidade, noticiamos a existência de um julgamento no CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) sobre a matéria onde não existiu uma ata sobre distribuição de lucros e, excepcionalmente, entendeu-se que informações repassadas digitalmente por e-mails poderiam suprir a necessidade de ata, de modo que a não observância desta formalidade não desvirtuaria a natureza dos lucros, gerando uma presunção de pagamento de pró-labore.

 

Alertamos que a distribuição de lucros de forma desproporcional deve ser realizada somente entre aqueles sócios que compõem o quadro societário, não podendo ser destinados valores a sócios que ingressavam por meio de alteração pendente de registro na Junta Comercial, ou ainda a herdeiros dos sócios.

 

Importante mencionar que existe um precedente da 2ª Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), em que foi mantida a exigência do Imposto de Renda sobre os lucros distribuídos desproporcionalmente, mas tal tributação decorreu do conjunto fático-probatório específico, qualificado pelos julgadores como um caso de abuso de forma. Desde que comprovado que o beneficiário dos lucros é sócio, haja previsão da distribuição desproporcional no contrato social e que o lucro tenha sido devidamente apurado na escrituração contábil, os julgamentos do CARF têm sido no sentido de que os lucros distribuídos desproporcionalmente são isentos do Imposto de Renda e não se sujeitam à contribuição previdenciária.

 

Por fim, também foi superada discussão sobre configurar doação entre sócios a ocorrência da distribuição desproporcional, sendo reconhecida a não incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) sobre a distribuição desproporcional regularmente comprovada. Segue transcrição da ementa de resposta à Consulta Tributária 20952M1/2019, de 16/05/2020, junto à SEFAZ da seguinte pergunta: “Se o contrato social fizer a previsão da distribuição desproporcional dos lucros, mas relegar para futura deliberação dos sócios a definição do percentual que caberá a cada um, haveria incidência de ITCMD sobre a diferença entre o percentual da participação nas cotas e o percentual dos lucros recebidos a cada distribuição?”

 

Ementa

ITCMD – Distribuição desproporcional de lucros em relação ao percentual de quotas do capital social da sociedade limitada que cada um dos sócios possui – MODIFICAÇÃO DE RESPOSTA.

I. O artigo 1.007 do Código Civil possibilita aos sócios definirem outra forma de participação nos resultados da sociedade limitada que não a proporcional ao percentual de quotas do capital que cada um detenha.

II. O instituto da distribuição desproporcional de lucros não se confunde com doação, na medida em que não há ânimo de liberalidade na transferência patrimonial. Sendo regular a distribuição desproporcional de lucros, ela estará devidamente justificada em razões de cunho negocial.

III. A regular distribuição desproporcional de lucros não enseja a incidência do imposto sobre transmissão por doação.

 

Restou reconhecido, portanto, que a doação e a distribuição desproporcional de lucros são institutos de Direito Privado que não se confundem, encontrando-se a distribuição de lucros inserida em um âmbito negocial, na relação entre sócios e sociedade e com uma razão de ser, ou seja, dentro de um contexto negocial – a exemplo da distribuição por negócios prospectados por cada sócio. Outra interpretação realizada pela SEFAZ foi a de que a distribuição desproporcional deve ser utilizada de modo lícito, e com o devido propósito negocial, definida em acordo prévio, anterior às distribuições futuras e devidamente registrada em contrato social e, ainda, seja a definição dos percentuais realizados antes de cada distribuição de lucros, com previsão no contrato social.

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