22/06/21 por Cristina Viana em Direito do consumidor

Você sabe quando o Código do Consumidor NÃO é aplicado?

Código do Consumidor: uma lei que pegou

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No Brasil existem muitas leis que regulamentam coisas da vida das pessoas e talvez isso fomente à crença popular de que algumas leis, muito embora estejam vigentes, costuma-se dizer que “não pegaram”.

É triste dizer, mas isso deve pelo fato do descrédito de legisladores que editam diversas leis que não têm aplicabilidade prática e por isso são vistas como inúteis, porque são normas totalmente inócuas e sem relevância para a sociedade.

Por outro lado, muitas leis acabam sendo popularizadas porque divulga-se muito a punição daqueles que não a cumprem, são leis que efetivamente fazem uma diferença para a sociedade. É o caso por exemplo da Lei Maria da Penha, que foi amplamente debatida e publicizada em sua aprovação.

Outro caminho para que as leis efetivamente sejam respeitadas, por assim dizer, é quando o Governo a regulamenta, faz esclarecimentos em massa, cria mecanismos da população realmente sentir proteção com aquela norma sendo posta em prática.

O Código do Consumidor é o tipo de lei que “pegou”, já que desde que entrou em vigor em 1990, a consciência das pessoas aumentou gradativamente quanto aos seus direitos. As empresas, por sua vez, passaram a entregar produtos e serviços com maior qualidade, já que o consumidor começou a ser mais exigente e o Governo passou a fiscalizar de forma efetiva.

Essa junção da consciência do consumidor, fiscalização do Estado e a mudança de comportamento das empresas acabou resultando em uma lei que realmente pegou no Brasil.

Entretanto, nem sempre o Código do Consumidor é aplicável. Com o amadurecimento de uma lei que está em vigência desde 1990, o Judiciário e o mercado estão cada vez mais atentos para o que deve ser ou não considerada relação de consumo para que o Código do Consumidor seja aplicado.
 

O que é uma relação de consumo

A relação de consumo envolve duas personagens:

  1. Fornecedor: toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (art. 3º do Código do Consumidor);
     
  2. Consumidor: toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final

A relação de consumo está ligada ao fato do consumidor adquirir ou consumir produtos ou serviços que estejam à sua disposição.

Os conceitos podem parecer simples, mas existem algumas complexidades que somente na prática podem ser melhor esclarecidas para que seja configurada se existe ou não a relação de consumo e, consequentemente, a aplicação do Código do Consumidor.

Quando se trata de pessoa física, pode ser que fique mais clara essa relação. No entanto, falamos de pessoa jurídica, é importante checar se ela é a destinatária final do produto ou serviço, ou seja, se ela é quem vai se beneficiar daquilo como, de fato, usuária, ou se ela vai apenas ser uma intermediária para que, ao final, entregue o produto ou o serviço para seu cliente.
 

Será que toda relação comercial é protegida pelo Código do Consumidor (CDC)?

Esclarecidos os conceitos de consumidor, fornecedor e relação de consumo, é importante saber que há algumas situações em que o Código do Consumidor não é aplicado.

Muitos Tribunais já têm adotado um posicionamento quanto a alguns casos que são mais comuns em nossa sociedade:

1. Contratos de compra e venda de imóveis com alienação fiduciária

Como há muitas ações que envolvem a aplicação do Código do Consumidor para as ações de resolução de contratos com alienação fiduciária, em junho de 2021 o STJ decidiu que todas as ações que envolvem o tema deverão ser suspensas até que sejam julgados pela Corte os recursos que foram destacados com esse tema.

Não há previsão de data para o julgamento e a consequência imediata é a suspensão das ações que envolvem este tema em todo o Brasil. Quando os Recursos Especiais forem julgados, os Tribunais locais deverão obedecer ao mesmo entendimento.

O tema recebeu a numeração de 1095 e é o seguinte:

Definição da tese alusiva à prevalência, ou não, do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de resolução do contrato de compra e venda de bem imóvel com cláusula de alienação fiduciária em garantia.

Os Recursos Especiais que serão julgados são os de n. 1.891.498 e 1.894.504.

  1. Quando o comprador não é o “consumidor final” do produto.

Muitas pessoas compram imóveis, por exemplo, como investimento e não para seu uso próprio. Como não seriam os destinatários finais, muitos Tribunais entendem que essa relação não é de consumo.

Há muita polêmica neste tópico, em especial porque nem sempre há como comprovar para qual finalidade o bem foi adquirido, dependendo de comprovação que é para investimento. Ainda que seja para investimento, há entendimentos de que isto não descaracterizaria a relação de consumo.

De todo modo, se há intenção de descaracterizar a relação de consumo, há empresas que pedem para o comprador indicar a finalidade da compra nos contratos ou então a simples comprovação de que houve aquisição de muitas unidades de uma só vez.

3. Empresas que compram produtos para insumo de sua própria produção

As empresas que adquirem produtos para fabricação de seus produtos não são consumidoras finais.

Logo, como é uma operação de meio, ou seja, os bens adquiridos servirão de insumo para produção daqueles que ela vai vender, não é caracterizada relação de consumo.

4. Contratos de locação

A lei de locação é regida por lei própria e vez ou outra as pessoas querem que alguns dispositivos do Código do Consumidor sejam aplicados, como a multa moratória de até 2%, por exemplo.

É importante esclarecer que não há como ser aplicado o Código do Consumidor para as relações locatícias porque há uma legislação específica para este tipo de contrato.

Além disto, o entendimento que se tem é que o contrato de locação é fruto de ampla negociação entre os envolvidos, não existindo a figura de um fornecedor ou de um consumidor já que o locador e o locatário estão em pé de igualdade nesta relação.

5. Contrato de Cédula de Crédito Rural

Nos contratos de Cédula de Crédito Rural, o valor financiado é utilizado para a formação da atividade rural do produtor.

Sendo assim, pela mesma sistemática dos demais casos acima, não há como aplicar o Código do Consumidor porque o produtor não é o destinatário final do produto (o crédito).

Ele vai utilizar o crédito (produto fornecido pelo banco) para fomentar sua atividade econômica que visa vender o produto para terceiros.
 

Esclarecimento é sempre importante

Como vimos, muitos casos do nosso dia a dia podem ser confundidos com a relação de consumo. Quando as aplicações não estão claras, podemos correr o risco de pleitear situações ou então aplicar dispositivos legais que não são adequados.

O Código do Consumidor é uma legislação que caiu muito no gosto popular e foi bem aceita por todos os setores da sociedade.

É importante que busque a informação correta sobre a aplicação de cada caso em especial para evitar em erros e riscos, já que nem sempre uma compra e venda ou uma prestação de serviços será regida por essa lei.

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