13/03/23 por Kariny Marra em Artigos , Direito tributário

É o fim da coisa julgada no Direito Tributário?

É o fim da coisa julgada no Direito Tributário? É o fim da coisa julgada no Direito Tributário?  - Icon

No último mês o Supremo Tribunal Federal julgou tema de repercussão geral que pegou de surpresa não só os contribuintes, como também toda a classe de tributários brasileiros. Trata-se do julgamento dos recursos extraordinários - RE 955227 (Tema 885) e RE 949297 (Tema 881), cujo pronunciamento do Tribunal relativizou a coisa julgada nos casos de tributos recolhidos de forma continuada. 

Isto significa que uma eventual decisão transitada em julgado que reconheça o direito de uma empresa de não pagar determinado tributo, será automaticamente derrubada diante de entendimento posterior do STF que entendeu pela constitucionalidade do tributo, de modo que o recolhimento deverá ser retomado. 

Decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos das decisões transitadas em julgado 

Os ministros entenderem de forma unânime que as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos das decisões transitadas em julgado no que se refere aos tributos cobrados sucessivamente.  

Os tributos de trato sucessivo são aqueles que se renovam mensalmente ou anualmente, como PIS/COFINS, CSLL, ICMS, ISS, IR e etc. Diferente daqueles tributos cujo fato gerador incide apenas uma vez, como o ITBI e o ITCD.  

Na regra anterior, a coisa julgada poderia ser rescindida por ação própria, caso o STF mudasse o entendimento a respeito da cobrança de um tributo. Se tratava da ação rescisória que poderia ser ajuizada no prazo de 2 anos do julgamento da Corte.  

O que muda com o novo entendimento é que esta rescisão, que antes dependeria de um novo processo, se dará de maneira automática, bastando uma decisão de Repercussão Geral ou de uma Ação direta de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal.  

Mas afinal, o que é a coisa julgada?  

A coisa julgada é toda e qualquer decisão judicial proferida numa ação contra a qual não cabe mais recurso ou qualquer possibilidade de reversão. Trata-se, portanto, de uma decisão definitiva.  

Dessa forma, se uma empresa teve uma decisão definitiva no sentido de reconhecer que determinada cobrança é indevida e garantir o não pagamento daquele tributo, caso o STF posteriormente entenda que aquela cobrança é sim devida, a empresa deverá retomar o pagamento do tributo a partir da publicação do julgamento pelo STF. 

Há que se destacar, contudo, que a recíproca é verdadeira. A rescisão automática da coisa julgada também se dará em favor dos contribuintes, nos casos em que o STF decidir pela inconstitucionalidade da cobrança de determinado tributo.  

Desse modo, caso uma empresa tenha obtido uma decisão desfavorável num processo singular e permaneça recolhendo tal tributo, ela poderá ser beneficiada pelo pronunciamento posterior do Supremo Tribunal que reconhecer que tal cobrança é indevida.  

Marco temporal para o início da vigência deste entendimento 

O que aflige contribuintes e tributaristas neste caso é sobretudo o marco temporal para o início da vigência deste entendimento. Existem decisões de Repercussão Geral da Corte que datam de mais de 10 anos atrás, de modo que se o entendimento tiver que valer a partir do julgamento de cada precedente, ou seja, se retroceder, a Fazenda Nacional deverá cobrar os tributos não pagos de todo o período após a publicação de cada julgamento do STF. 

Caso do Grupo Pão de Açúcar 

Para ilustrar melhor, podemos utilizar o exemplo do GPA. O Grupo Pão de Açúcar anunciou que em razão do entendimento proferido pelo STF poderá ter que recolher aos cofres públicos um valor estimado de 290 milhões de reais, referentes à CSLL não recolhida nos últimos anos.  

Isto porque, o grupo teve uma decisão definitiva reconhecendo o direito ao não pagamento de CSLL há cerca de 31 anos, contudo em 2007 do STF decidiu em sentido contrário, determinando que a cobrança era devida.  

Aplicando o que foi decidido no último mês, a decisão favorável que o GPA teve sobre a CSLL estaria rescindida automaticamente em razão do entendimento do STF em 2007, ou seja, existem 15 anos de CSLL não pagas que certamente serão cobrados pela Fazenda Nacional.  

Como anunciado pelo grupo, não houve provisionamento destes valores em razão do direito adquirido para o não pagamento do tributo, através da decisão transitada em julgado, de modo que a cobrança ocasionará prejuízo possivelmente irreversível.  

Existe consenso entre os tributaristas no sentido de que a decisão, especialmente por não modular seus efeitos, ou seja, por retroagir até cada julgamento de precedente, traz uma enorme insegurança jurídica para as relações jurídicas tributárias.  

Contudo, há que ser considerado que ao igualar as cobranças de tributos, especialmente quando se trata do âmbito econômico, se permitirá a prática de uma concorrência igualitária entre empresas do mesmo ramo, uma vez que terão uma carga tributária parecida. O princípio da livre concorrência e inibição da concorrência desleal é, inclusive, preceito disposto na Constituição Federal.  

Por fim, da decisão proferida ainda cabe a interposição de recurso que poderá tratar especificamente da modulação temporal dos efeitos da decisão. Contudo, não restam muitas esperanças para que o Tribunal mude seu posicionamento, dado que se deu de maneira unânime. Neste caso, resta a possibilidade de uma movimentação legislativa para que o preceito da coisa julgada, peça elementar do direito brasileiro, seja retomado.  

 

  • Compartilhe

Nós usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nosso site. Ao navegar em nosso site, você concorda com tal monitoramento. Política de privacidade

Prosseguir