26/12/23 por Pedro Garcia em Artigos , Direito Sucessório e Patrimonial

Planejamento sucessório e o problema das doações inoficiosas

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Uma das opções mais vantajosas, menos burocráticas e mais bem aceitas por quem deseja realizar um planejamento sucessório, é a transmissão do patrimônio em vida. Evitar conflitos familiares, economia de impostos e não depender de inventário após a morte, são os grandes diferenciais dessa forma de planejar a sucessão.  

Essa estratégia consiste basicamente na doação do patrimônio às pessoas que se deseja beneficiar, ficando o doador despreocupado com a sucessão após sua morte, uma vez que toda a sua vontade foi executada em vida. 

Acontece, no entanto, que muitos, seja por desconhecimento da lei, ou mesmo com intuito fraudulento, o faz de maneira errada.

Maneira equivocada de realizar sucessão em vida: 

Nesse diapasão, o exemplo que mais ocorre é o caso do indivíduo que deseja beneficiar uma só pessoa ou determinado grupo de pessoas com todo o seu patrimônio, sem contemplar os chamados “herdeiros necessários”, adiante explicado. 

Para melhor visualização, imagine o seguinte caso: Sr. José possuía quatro filhos. Enquanto vivo, doou 100% (cem por cento) do seu patrimonio aos seus netos. Como o patriarca transmitiu a totalidade dos seus bens em vida, não houve abertura de inventário após sua morte. 

Essa doação, no entanto, à luz do Código Civil, é invalida. Havendo herdeiros necessários, o doador pode doar somente metade do seu patrimônio. A outra metade, parte indisponível (também chamada de “legítima”), fica reservada aos herdeiros necessários (ascendentes, descendentes e cônjuge). 

Assim, como o Sr. José (avô) doou 100% (cem por cento) do seu patrimônio aos netos, 50% dessa doação é inoficiosa (inválida), uma vez que desrespeitou o montante que caberia aos filhos. 

O que diz a lei: 

A “legítima”, de forma simplificada, é a parte do patrimônio do falecido que a Lei reservou aos herdeiros necessários, ou seja, é uma parte do patrimônio que não pode ser doada, devendo ser obrigatoriamente transmitida a estes (se houverem).   

São herdeiros necessários: os descendentes (filhos, netos, bisnetos...); os ascendentes (pais, avós, bisavós...); e o cônjuge ou companheiro.    

Havendo uma dessas figuras, 50% (cinquenta por cento) do patrimônio do de cujus será “intocável”, devendo ser transmitido a essas pessoas. Tal preceito se encontra no artigo 1.846 do Código Civil: “pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima”.

Conheça a ordem de sucessão: 

Sabendo disso, a sucessão legítima defere-se na seguinte ordem:     

Falecendo o indivíduo, em primeiro lugar são chamados à sucessão os descendentes (juntamente com o cônjuge, a depender do regime de bens).  

Nessa classe dos descendentes, os de grau mais próximo excluem os mais distantes. Dessa forma, caso o falecido tenha deixado filhos e netos, os filhos, por terem grau de parentesco mais próximo, são chamados para suceder, excluindo-se os netos. 

Na sequência, não havendo nenhum descendente (filho, neto, bisneto, etc.), são chamados os ascendentes, em concorrência com o cônjuge.    

Por fim, não havendo nenhum ascendente (pais, avós, etc.), é chamado o cônjuge, que herdará a totalidade do patrimônio, caso o falecido não tenha feito testamento.  

Para fins de informação, abaixo do cônjuge, vem os colaterais. Todavia, esses não são considerados herdeiros necessários. Portanto, não havendo ascendente, descendente ou cônjuge, pode o indivíduo dispor da totalidade do seu patrimonio, sem restrições. 

Por oportuno, importante salientar que para todos os fins deste artigo, onde se lê “cônjuge”, inclua-se o companheiro, pois, para fins sucessórios, o companheiro (mediante união estável) foi equiparado ao cônjuge. 

 Analisando o exemplo anterior: 

Pois bem! No caso do exemplo acima, como o Sr. José possuía descendentes (os quatro filhos), esses seriam chamados para a sucessão, e, por estarem nessa qualidade (herdeiros necessários), deveriam ter recebido, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) do patrimônio do pai, dividido igualmente entre eles.  

Os outros 50% (cinquenta por cento), chamado de “parte disponível”, a lei confere ampla liberdade para o proprietário fazer o que bem entender. Portanto, essa parte, sim, poderia ter sido doada aos netos sem problema algum. 

Agora, sabendo que a doação que ultrapassa 50% (cinquenta por cento) do patrimonio do doador que possui herdeiros necessários é inválida, quais medidas podem ser adotadas pelos herdeiros para receberem o que lhes é de direito? 

Nesse caso, podem os herdeiros ajuizar uma de ação de redução de doação, fazendo com que a parte do patrimônio (50%) que não poderia ter sido doada, por compor a legítima, volte para o de cujus para ser inventariada, com a posterior partilha entre os herdeiros.  

Assim, é certo que os herdeiros têm direito de reclamar a parte que lhes é cabível por herança. Contudo, há um debate doutrinário e jurisprudencial sobre o tema: existe um prazo para que essa ação de redução seja intentada? Ou, por envolver norma de ordem pública, é uma ação não sujeita à prescrição ou decadência?    

Para fins didáticos, seguem as duas correntes de pensamento que divergem entre si. 

A primeira: se verificarmos pela letra da Lei (artigo 549 do Código Civil), o dispositivo é muito claro ao prever que é NULA a doação que excede a parte que o doador poderia dispor em testamento, sendo 50% (cinquenta porcento).  

Abaixo, um aresto do Superior Tribunal de Justiça, que coaduna com essa linha de pensamento: 

  

“Discute-se, em ação declaratória de nulidade de partilha e doação, qual o prazo para que a herdeira necessária possa insurgir-se contra a transferência da totalidade dos bens do pai para a ex-esposa e para a filha do casal, sem observância da reserva da legítima, circunstância que caracteriza a doação inoficiosa. Trata-se, portanto, de caso de nulidade expressamente prevista no art. 549 do atual Código Civil, em razão do disposto nos arts. 1.789 e 1.846 do mesmo diploma legal. E, a teor da norma contida no art. 169 do mesmo Código, ‘o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo’, a significar que a nulidade é imprescritível. Essa é a tese que defendo. Não desconheço a discussão existente a respeito dessa norma e que, em nome da paz social, levou ao entendimento jurisprudencial de que tal nulidade não fica imune à ocorrência de prescrição. Reservo-me o direito de, em momento oportuno, trazer a matéria a debate na profundidade que entendo necessária” (REsp. 1.321.998/RS). 

Portanto, entende essa corrente que a doação que excede a metade do patrimônio é nula, e, sendo nula, não importa quanto tempo passe desde a data da realização da doação (10, 20, 30… anos); o ato nulo é nulo para sempre! Assim sendo, os interessados podem, a qualquer tempo, reclamar seus direitos perante o Poder Judiciário.  

A segunda, entende que o ato não é nulo, e sim, ANULÁVEL. De acordo também com o Superior Tribunal de Justiça, em divergência com a decisão acima: 

Aplica-se às pretensões declaratórias de nulidade de doações inoficiosas o prazo prescricional decenal do CC/2002, ante a inexistência de previsão legal específica. Precedentes” (STJ, REsp 1.321.998/RS, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07.08.2014).  

Sustenta essa corrente de pensamento que o prazo para intentar ação anulatória das doações inoficiosas é de 10 (dez) anos, a contar do registro do ato que se cogita anular. Assim, no caso de imóveis, por exemplo, conta-se a partir do registro da escritura pública à margem da matrícula.  

Essa linha doutrinária entende que a questão não se trata de norma de ordem pública, e sim de direitos patrimoniais, estando, portanto, sujeita a prescrição; e como não há prazo específico na lei, aplica-se o prazo geral de prescrição, que nos termos do artigo 205 do Código Civil é de dez anos. 

De toda sorte, a fim de uniformizar o entendimento, o tema será enfrentado pelo STJ. Trata-se do tema 1.200, que definirá o termo inicial do prazo de prescrição da petição de herança proposta por filho cujo reconhecimento da paternidade tenha ocorrido após a morte. Espera-se que ao discutir a questão o Tribunal esclareça qual entendimento será adotado. Portanto, por ora, aguardemos o julgamento. 

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