21/02/24 por Pedro Garcia em Artigos , Direito tributário

Incidência de IOF nos contratos de mútuo entre pessoa jurídica e pessoa física segundo o STF

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Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, em tema de repercussão geral, reconheceu, por unanimidade, a constitucionalidade da incidência de IOF – Imposto Sobre Operações Financeiras - em contratos de mútuo celebrados entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física, não se restringindo às instituições financeiras.  

O tema foi objeto do Recurso Extraordinário 590.186/RS, em que foi questionada a constitucionalidade do artigo 13 da Lei n.º 9.779, de 19 de janeiro de 1999. Segundo o dispositivo:

Art. 13.  As operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física sujeitam-se à incidência do IOF segundo as mesmas normas aplicáveis às operações de financiamento e empréstimos praticadas pelas instituições financeiras. 

Em suas razões, alegou a recorrente que não há fundamento legal para a incidência de IOF nas relações entre particulares, e que nos contratos de mútuo não há concessão de crédito, mas, sim, a mera obrigação de o mutuário restituir ao mutuante o que dele recebeu. 

No caso, a discussão tratava da exigência de IOF nos contratos de mútuo entre empresas pertencentes ao mesmo grupo empresarial. Para a empresa litigante, o referido dispositivo legal fere o artigo 153, V, da Constituição Federal, que estabelece que compete à União instituir imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários.  

Precedentes: STF havia decidido pela constitucionalidade da incidência de IOF sobre operações de factoring 

Como fonte de seus fundamentos, adotou o Ministro Relator, Cristiano Zanin, a tese desenvolvida no julgamento da ADI 1.763/DF, tendo, à época, como relator, o Ministro Sepúlveda Pertence. Nesse acordão, o STF havia decidido pela constitucionalidade da incidência de IOF sobre operações de factoring

A título de conhecimento, factoring (ou fomento mercantil), é uma operação financeira pela qual uma empresa adquire direitos creditórios de outra mediante pagamento à vista. Trata-se, em suma, de uma operação de antecipação de recursos financeiros. 

Nesse sentido, no ano de 2020, tendo como relator o Ministro Dias Toffoli, o plenário do Supremo Tribunal Federal voltou a analisar o mérito da referida ADI (1.763/DF), firmando o entendimento de que não há no Código Tributário Nacional, como tampouco na Constituição Federal, disposição que restrinja a incidência do IOF às operações efetuadas por instituições financeiras. 

Assim, seguindo esse entendimento, o Ministro relator, Cristiano Zanin, no Recurso Extraordinário 590.186/RS propôs a seguinte tese, acolhida por unanimidade: “É constitucional a incidência do IOF sobre operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física, não se restringindo às operações realizadas por instituições financeiras”.

Como fundamento, foi citada a doutrina de Pontes de Miranda, sobre a carta constitucional revogada, pelo qual: 

 
O impôsto que a União pode estabelecer sôbre as operações de crédito é sôbre quaisquer negócios jurídicos, bilaterais, unilaterais e plurilaterais, de que nasça crédito, sejam bancários ou extra bancários, bolsísticas ou em pregões, a prazo fixo ou não, ou de corretores fora da bolsa, próprias ou com capitais de clientes, das sociedades de crédito ou de investimento, ou de financiamento, ou de outras sociedades, ou de pessoas físicas. (Comentários à Constituição de 1967, com a emenda nº 1 de 1969. Rio de Janeiro: Forense, 1987, Tomo II, p. 483). 

Ainda, no mesmo entendimento doutrinário, a decisão se apoiou nas lições de Roberto Quiroga Mosquera: 


Claro está, pois, que o imposto sobre operações de crédito, previsto no artigo 153, inciso V, da Constituição Federal poderá incidir sobre negócios jurídicos nos quais alguém efetua uma prestação presente contra uma prestação futura, ou seja, é a operação por intermédio da qual alguém efetua uma prestação presente, para ressarcimento dessa prestação em data futura. Dentro do conceito acima exposto, enquadram-se inúmeras espécies de operações de crédito. Operações entre: a) pessoas físicas; b) pessoas físicas e pessoas jurídicas; c) pessoas jurídicas. Além do que, poderão existir operações de crédito realizadas entre: a) pessoas, físicas ou jurídicas, não financeiras. (Tributação no mercado financeiro e de capitais. 1998, São Paulo: Dialética. p. 108) 

 

Nos termos do voto condutor, a noção de “operação de crédito” envolve alguns elementos para sua caracterização, tais como tempo, confiança, interesse e risco. No entanto, a exclusão de um deles não pode descaracterizá-la por inteiro, desde que a presença dos demais elementos seja suficiente para que se reconheça sua qualidade. 

Assim, foi decidido por unanimidade que o mútuo se insere no tipo “operações de crédito”, sobre o qual a Constituição Federal autoriza a instituição do IOF (art. 153, V), uma vez se tratar de negócio jurídico realizado com a finalidade de se obter, junto a terceiro e sob limite de confiança, a disponibilidade de recursos que deverão ser restituídos após determinado lapso temporal, sujeitando-se aos riscos inerentes. 

Possibilidade de mudança de entendimento 

Ao final de seu voto, de toda sorte, exarou o relator que considera relevante o argumento trazido pelo amicus curiae, no sentido de que "o IOF não poderia incidir sobre contratos de conta-corrente entre empresas de um mesmo grupo econômico, mediante a reunião de seus caixas individuais em um caixa único, ao qual todas têm acesso para o pagamento de gastos e realização de investimentos. A ideia é que a conta-corrente se diferencia do contrato de mútuo". 

Contudo, em razão de a matéria não ter sido prequestionada nas instâncias originárias, não pôde ser enfrentada. Ademais, consignou o relator que essa discussão seria tema de matéria infraconstitucional, sendo de competência, portanto, das instâncias ordinárias. 

Nesse sentido, negou provimento ao recurso sendo firmada a tese (tema 104) de que é constitucional a incidência de IOF nos contratos de mútuo entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física, não se restringindo às operações realizadas por instituições financeiras.

E o que diz a Lei sobre mútuos envolvendo pessoa física? 

Nos precisos termos da legislação infraconstitucional, incide o IOF somente nas operações de crédito de pessoa jurídica para pessoa jurídica ou de pessoa jurídica para pessoa física, não ocorrendo o mesmo em operações inversas (de pessoa física para pessoa jurídica). 

Isso porque o § 2º do artigo 13 da Lei n.º 9.779/ 1999 prevê que o responsável pela cobrança e recolhimento do IOF é a pessoa jurídica concessora do crédito, não prevendo operações contrárias, no caso, de a pessoa física ser a mutuante. 

No mesmo sentido, o Decreto 6.306 de 2007 dispõe serem responsáveis pela cobrança do IOF e pelo seu recolhimento ao Tesouro Nacional:

I - as instituições financeiras que efetuarem operações de crédito (Decreto-Lei nº 1.783, de 1980, art. 3º, inciso I);

II - as empresas de factoring adquirentes do direito creditório, nas hipóteses da alínea “b” do inciso I do art. 2o (Lei nº 9.532, de 1997, art. 58, § 1º);

III - a pessoa jurídica que conceder o crédito, nas operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros (Lei nº 9.779, de 1999, art. 13, § 2º).

Como se observa, nada dispõe, assim como a Lei analisada acima, da hipótese de a pessoa física ser a mutuante. 

Ainda, de data mais recente, a Instrução Normativa RFB n.º 1969, de 28 de julho de 2020, em seu artigo 10, deixa claro que a hipótese prevista pelo já mencionado artigo 13 da Lei nº 9.779/1999 é aplicável somente para quando a pessoa jurídica for a mutuante, nada dispondo sobre a pessoa física, e reforça acerca da responsabilidade pelo recolhimento do imposto, que é da pessoa jurídica concessora do crédito. 

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