21/11/24 por Pedro Garcia em Artigos

Incidência de Imposto de Renda sobre Adiantamento de Herança: Análise da Decisão do STF (RE 1.439.539)

A decisão traz implicações significativas para a prática tributária no Brasil

Incidência de Imposto de Renda sobre Adiantamento de Herança: Análise da Decisão do STF (RE 1.439.539) Incidência de Imposto de Renda sobre Adiantamento de Herança: Análise da Decisão do STF (RE 1.439.539) - Icon

No dia 22 de outubro de 2024, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela não incidência de Imposto de Renda (IR) sobre doações realizadas a título de adiantamento de herança. Favorável ao contribuinte, o julgado reafirma a inconstitucionalidade da exigência de IR sobre o ganho de capital decorrente da transmissão gratuita de bens.

A questão foi suscitada pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que interpôs Recurso Extraordinário contra uma decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, a qual afastou a incidência do imposto de renda em caso de doação de patrimônio de ascendente a descendente pelo valor de mercado.

De acordo com a PGFN, além do imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), o contribuinte (no caso, o doador) deveria recolher o imposto referente ao acréscimo patrimonial, calculado pela diferença entre o valor de aquisição do bem e o valor atribuído a ele no momento da doação. Isso porque, segundo a Procuradoria, antes mesmo de a doação ocorrer, a valorização do bem já havia sido incorporada ao patrimônio do doador, configurando um acréscimo patrimonial já consolidado.

Para a União, a situação em questão abrange dois fatos geradores distintos, o que afasta a ocorrência de bitributação. São eles: (i) a doação, cuja tributação é de competência estadual, sobre a qual a União não cabe intervir; e (ii) a evolução patrimonial entre o valor de entrada (aquisição do patrimônio) e o valor de saída (doação).

O relator, ministro Flávio Dino, manteve os fundamentos da decisão do TRF, assentando o entendimento de que o imposto sobre a renda incide sobre o acréscimo patrimonial efetivamente disponibilizado ao contribuinte. No caso, na antecipação de legítima, não há para o doador acréscimo patrimonial disponível, afastando a incidência de IR.

Legislação tributária – Fatos Geradores do Imposto de Renda

De fato, o ordenamento jurídico brasileiro prevê a incidência de imposto de renda nas operações que resultem em ganho de capital, inclusive nas transmissões gratuitas:

Artigo 3º, § 3º da Lei 7.713/1988:

Art. 3º. O imposto incidirá sobre o rendimento bruto, sem qualquer dedução, ressalvado o disposto nos arts. 9º a 14 desta Lei.

§ 3º Na apuração do ganho de capital serão consideradas as operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos ou cessão ou promessa de cessão de direitos à sua aquisição, tais como as realizadas por compra e venda, permuta, adjudicação, desapropriação, dação em pagamento, doação, procuração em causa própria, promessa de compra e venda, cessão de direitos ou promessa de cessão de direitos e contratos afins.

Artigo 23, § 1º da Lei 9.532/1997 (vide artigo 130do Decreto 9.582/2018):

Art. 23. Na transferência de direito de propriedade por sucessão, nos casos de herança, legado ou por doação em adiantamento da legítima, os bens e direitos poderão ser avaliados a valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens do de cujus ou do doador.

§ 1º Se a transferência for efetuada a valor de mercado, a diferença a maior entre esse e o valor pelo qual constavam da declaração de bens do de cujus ou do doador sujeitar-se-á à incidência de imposto de renda à alíquota de quinze por cento.

Das disposições normativas apresentadas, ambas com redações bastante semelhantes, infere-se que quando houver apuração de ganho de capital na transferência de bens a título de doação, assim calculado pela diferença entre o valor de aquisição e o valor da doação, incidirá imposto de renda.

Paralelamente, e a contrario sensu, o artigo 22, inciso III, da citada Lei 7.713/1988, prevê a exclusão das transmissões gratuitas da apuração do ganho de capital.

Fundamentos Utilizados Pelo TRF – Ofensa ao princípio Constitucional da Capacidade Contributiva e à Definição de Fato Gerador do Imposto de Renda

O TRF, em sede de julgamento do recurso, reconheceu a inconstitucionalidade da expressão “doação”, constante do citado § 3º do artigo 3º da Lei 7.713/1988; da expressão “doação em adiantamento de legítima”, inserta no caput do também citado artigo 23 da Lei 9532/1997; e do inteiro teor do inciso II do § 2º do artigo 23 da mesma Lei, por violarem expressamente a Constituição Federal de 1988 (CF).

Em uma análise sistêmica da decisão, em conjunto com os princípios e preceitos basilares da Carta Política de 1988, especialmente no que se refere à repartição da competência tributária entre Estados e União e ao próprio conceito constitucional de renda e proventos de qualquer natureza, previsto no artigo 43 do Código Tributário Nacional, verifica-se que a doação, para o doador, não resulta em acréscimo patrimonial, mas sim decréscimo. Logo, a cobrança de IR nessa situação violaria o próprio conceito de renda, além de implicar usurpação, pela União, da competência dos Estados de tributar sobre transmissões gratuitas.

Além desse aspecto, a adoção do entendimento defendido pela União não observa o princípio constitucional da capacidade contributiva, pelo qual a CF limita os entes federativos a tributarem somente quando houver riqueza apta a ser tributada. No caso, como não há, para o doador, geração de riqueza na doação, e sim uma redução patrimonial, sua tributação seria, à luz da Constituição, a criação de um fato gerador inexistente, caracterizando medida predatória.

Essa situação não apenas oneraria excessivamente o contribuinte, como também criaria um cenário de iniquidade fiscal, violando o princípio do não confisco, garantia constitucionalmente assegurada.

Implicações e Perspectivas Futuras

A decisão traz implicações significativas para a prática tributária no Brasil, pois reforça o entendimento jurisprudencial já adotado previamente pelo STF e serve como parâmetro para as futuras decisões, contribuindo para a redução de controvérsias e insegurança jurídica, tranquilizando o contribuinte acerca da sua autonomia na gestão de seu patrimônio.

Outro reflexo positivo relevante é a possibilidade de realizar planejamentos sucessórios com maior segurança jurídica, uma vez que o instituto da doação é amplamente utilizado e muito popular entre os brasileiros, tendo, inclusive, crescido muito no Estado de Goiás no último ano, diante das incertezas geradas pela reforma tributária.

Em 2023, ano em que a reforma tributária ganhou destaque durante os debates no Congresso Nacional, os Cartórios de Notas de Goiás registraram um aumento de 40% (quarenta por cento) no número de doações de imóveis em comparação com 2022, conforme levantamento realizado pelo Colégio Notarial do Brasil – Seção Goiás (CNB/GO).

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