30/04/25 por Pedro Garcia em Artigos

Contratação de médicos por meio de SCP: os riscos fiscais que podem comprometer a estratégia empresarial

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A contratação de médicos via SCP promete benefícios, mas esconde riscos fiscais elevados. Neste artigo, analisamos a regulamentação e uma recente decisão do CARF que reforça a necessidade de cautela.
 
SCP na área da saúde: oportunidade ou armadilha fiscal?
 
A SCP é um modelo societário caracterizado pela ausência de personalidade jurídica própria e pela existência de dois tipos de sócios: o ostensivo, que administra a sociedade e assume as responsabilidades perante terceiros, e o participante, que contribui com capital e tem sua atuação limitada à fiscalização da gestão dos negócios sociais.
 
Essa modalidade societária tem sido utilizada por empresas do setor da saúde para viabilizar a contratação de médicos e outros profissionais com o propósito de otimização tributária e mais flexibilidade na gestão.
 
Esse modelo, à primeira vista, pode parecer vantajoso, especialmente para esses profissionais, pois permite que médicos atuem em parceria com hospitais sem a constituição de uma pessoa jurídica própria.
 
Contudo, essa estrutura societária apresenta riscos fiscais e previdenciários que podem resultar em impactos financeiros significativos e tem sido alvo de autuações pelo fisco.
 
O tratamento jurídico da SCP
 
O Código Civil estabelece que a SCP não possui personalidade jurídica, sendo sua constituição dependente do sócio ostensivo, que responde ilimitadamente pelas obrigações da sociedade perante terceiros e exerce o objeto social em seu nome individual. Ainda que não seja registrada na Junta Comercial, a SCP possui validade jurídica.
 
O exercício do objeto constitutivo da sociedade é exclusivo do sócio ostensivo. Ele é quem vai contrair obrigações em nome da sociedade perante terceiros e desenvolver os negócios sociais, tendo vedação expressa ao sócio participante de atuar nesse sentido, sob pena de responder solidariamente com o sócio ostensivo pelas obrigações em que intervir.  
 
Assim, dada essa natureza, no âmbito doutrinário há quem defenda que a SCP não é um tipo societário propriamente dito, mas um contrato de investimento, funcionando o sócio participante como um investidor, pois ele não tem função executiva, apenas contribui com recursos e participa dos resultados do negócio.
 
No entanto, à luz do Código Civil, a SCP constitui espécie de sociedade não personificada, na medida em que é formada por pessoas que cooperam umas com as outras com a finalidade comum de lucro, nos moldes do conceito jurídico estabelecido no artigo 981 do referido diploma legal.
 
Médicos e SCP: uma estrutura atrativa, mas perigosa
 
No caso dos médicos, a Receita Federal tem entendido que essa estrutura pode ocultar uma relação de trabalho subordinada. No setor da saúde, é comum que médicos celebrem contratos de SCP com hospitais, acreditando ser essa a estrutura societária mais vantajosa para formalizar a relação com o corpo clínico.
 
Geralmente, essas instituições já possuem uma sociedade simples ou empresária constituída, a qual utilizam para estabelecer uma SCP com os médicos que compõem a equipe. Nessa configuração, a sociedade preexistente assume o papel de sócia ostensiva, enquanto os médicos que integram o corpo clínico tornam-se sócios participantes.
 
Dessa forma, a sociedade ostensiva emite notas fiscais para o hospital pelos serviços prestados, repassando aos médicos sua parcela de participação por meio da SCP, caracterizando os valores recebidos como dividendos.
 
Em muitos casos, tais pagamentos sequer são contabilizados como distribuição de lucros. Em algumas sociedades, os valores repassados aos médicos são registrados como despesas operacionais - e não como redução do patrimônio líquido, como seria exigido para a caracterização da distribuição de dividendos. Esse tipo de lançamento busca mascarar a operação, dificultando a identificação da SCP pela Receita Federal.
 
Além disso, como a SCP não exige registro em cartório ou na Junta Comercial, essa estrutura societária proporciona maior flexibilidade na entrada e saída de sócios, o que é um fator atrativo para os profissionais da área.
 
A obrigatoriedade de inscrição da SCP no CNPJ e a fiscalização da receita federal
 
A Receita Federal, por meio da Resolução RFB n.º 1.470/2014, consubstanciada pelo entendimento exarado pela Solução de Consulta Cosit n.º 121/2014, instituiu a obrigatoriedade de inscrição das SCPs no CNPJ, reforçando a transparência fiscal dessas sociedades. A medida teve como principal objetivo evitar que a SCP fosse utilizada para fins de manobras tributárias abusivas, especialmente em setores como o da saúde, onde a pejotização tem sido alvo de fiscalizações, conforme exposto acima.
 
Essa regulamentação exige que a SCP cumpra obrigações acessórias semelhantes às das demais pessoas jurídicas, incluindo a entrega de declarações fiscais e a observância das regras de tributação aplicáveis ao lucro presumido ou real. O descumprimento dessas exigências pode levar a autuações severas, além da desconsideração da sociedade para fins fiscais.
 
Cobrança retroativa de tributos, multas qualificadas de ofício (que podem chegar a 150% do valor devido) e a exigência de contribuições previdenciárias e trabalhistas sobre os valores pagos aos profissionais são exemplos dos impactos financeiros que essa modalidade de contratação pode gerar, agravando ainda mais os riscos da operação.
 
O posicionamento do Carf: riscos elevados na contratação de médicos via SCP
 
Em decisão recente, prolatada em 24/02/2025 (processo n.º 11065.724136/2014-84), o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) reforçou o entendimento sobre a utilização da SCP na contratação de médicos. No caso analisado, o órgão concluiu que a SCP foi utilizada indevidamente para evitar a incidência de tributos trabalhistas e previdenciários, e, com isso, desconsiderou a estrutura e determinou a requalificação dos valores pagos aos médicos como remuneração salarial.
 
Esse precedente ratifica o entendimento de que a SCP, quando utilizada para intermediar a prestação de serviços médicos sem que haja efetiva autonomia empresarial dos profissionais, pode ser desconsiderada para fins fiscais. Isso significa que hospitais e clínicas que adotam essa estrutura correm o risco de serem autuados e obrigados a recolher tributos sobre a folha de pagamento, além de multas e juros.
 
Outro ponto relevante identificado pelo CARF nesse tipo societário diz respeito à ausência de affectio societatis. Na relação entre os profissionais e a SCP, o Conselho entendeu que, para que de fato haja uma sociedade, deve haver vontade comum de se associar para a consecução de um negócio, algo que não se verificou no caso analisado. Dessa forma, a inexistência de assembleias, reuniões deliberativas e qualquer outro indício de gestão compartilhada entre os "sócios participantes" são fatores que corroboram a desconsideração da SCP para fins fiscais.
 
Ressalta-se que o risco aqui discutido se aplica aos profissionais que integram o corpo social na qualidade de sócios participantes e exercem a medicina por meio da sociedade. Como explicitado no início, a exploração do objeto social é exclusiva do sócio ostensivo.
 
Nesse contexto, caso um médico faça parte de uma sociedade em conta de participação apenas na condição de investidor, não há falar em irregularidade. O que a decisão do CARF busca coibir é a utilização da SCP como meio de dissimular uma relação de emprego, evitando a devida tributação e o cumprimento de obrigações acessórias.
 
Conclusão
 
Embora a SCP seja um mecanismo válido no ordenamento jurídico, sua utilização na contratação de médicos apresenta riscos significativos, especialmente no que tange à fiscalização da Receita Federal e ao entendimento do CARF. A recente decisão do órgão administrativo reforça a necessidade de cautela na adoção desse modelo, pois a tentativa de otimização fiscal pode resultar em contingências financeiras elevadas.
 
Diante desse cenário, hospitais e clínicas devem avaliar alternativas mais seguras para a formalização de suas relações com profissionais da saúde, como a constituição de sociedades médicas regulares (sociedades simples) ou a adoção de regimes tributários que garantam maior previsibilidade e segurança jurídica. Optar pela SCP sem uma análise criteriosa dos riscos pode acarretar um ônus muito maior do que a suposta economia tributária inicialmente vislumbrada.

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