Só é dono quem registra. Esta é uma máxima muito conhecida no Brasil.
Muitos negócios imobiliários são celebrados inicialmente através de promessa de compra e venda, documento particular, até que seja feita a quitação do preço. Só depois preocupam em iniciar no Registro Imobiliário os procedimentos de transferência de propriedade.
No Brasil é uma prática muito comum as pessoas/empresas firmarem contratos particulares para só após a quitação do preço ser lavrada a escritura de compra e venda, documento hábil para a transferência de propriedade do imóvel perante o Cartório de Registro Imobiliário.
Ocorre que em muitos casos, mesmo após ter sido quitado o contrato, o comprador não transmite a propriedade, seja por questões de despesas de escritura e ITBI , seja porque simplesmente não se preocupa em tomar tal providência.
Por outro lado, não é incomum que vendedores não tenham mais contato com compradores ou faleçam e a transferência perante o Cartório de Imóveis seja possível apenas mediante a Justiça.
O nome dado para tal procedimento chama-se adjudicação compulsória que vem a ser uma forma de transferência de propriedade do imóvel quando não há, por uma das partes, a livre e espontânea vontade de formalizar os atos formais para tal procedimento.
Com a edição da Lei 14.382 de junho de 2022, a adjudicação compulsória passou a ser possível de ser realizada extrajudicialmente, o que é um grande avanço para regularização de muitas situações como as citadas acima.
As novidades da referida legislação já foram objeto de dois artigos na ocasião em que a Lei estava precedida da Medida Provisória 1085.
A Lei 14.382 de junho de 2022 acrescentou o artigo 216-B à Lei de Registros Públicos para possibilitar a adjudicação compulsória pela via extrajudicial, o que é um grande avanço para evitar que situações desta natureza sejam realizadas perante o Judiciário, procedimento muito mais oneroso e moroso.
Quem pode requerer a adjudicação compulsória pela via extrajudicial?
Podem dar entrada com o pedido o promitente comprador ou qualquer dos seus cessionários ou promitentes cessionários, ou seus sucessores, bem como o promitente vendedor.
Se o interessado já faleceu, seus herdeiros poderão fazer o pedido. Contudo, o registro será feito em nome do falecido para que seja objeto de partilha em inventário.
A representação por advogado é exigência da lei, devendo ser providenciada procuração especial.
Quais são os documentos para solicitar a adjudicação compulsória extrajudicial?
O requerente da adjudicação compulsória pela via extrajudicial deverá levar ao Cartório em que o imóvel está registrado:
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a promessa de compra e venda ou de cessão ou de sucessão,
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as certidões do foro onde o imóvel é situado e também do domicílio do requerente a fim que que seja comprovado que não há ação judicial envolvendo a referida promessa de compra e venda;
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procuração com poderes específicos
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a prova do inadimplemento.
A prova do inadimplemento pode ser algo bastante difícil de se materializar. Por isto, a lei prevê que ela é demonstrada através da ausência de resposta de notificação que o próprio cartório, ou o de registro de títulos e documentos, envia para a outra parte para que cumpra a obrigação no prazo de 15 dias. Se a notificação for frustrada, será feita por Edital.
Por outro lado, a prova da quitação, embora não esteja expressamente prevista no rol acima, poderá ser requisitada pelo oficial do cartório já que é uma máxima do Direito Civil em seu artigo 476 que aquele que exige o cumprimento da obrigação da outra parte somente poderá fazê-lo se tiver cumprido a sua.
Ainda com relação à prova da quitação, a tendência é que ela não seja exigida se já transcorreu o prazo prescricional da dívida vinculada à promessa.
Por fim, não é necessário que a promessa de compra e venda tenha sido levada a registro perante o cartório imobiliário. Este, inclusive, é um entendimento já sedimentado pelo STJ em sua Súmula 239.
Realizada a notificação, o que acontece?
Uma vez notificado o proprietário do imóvel, se ele responder concordando com a transferência, deverá então ser lavrada a escritura de compra e venda e o procedimento será encerrado. Se mesmo tendo concordado, mas não se disponibilizando para assinar a escritura, o procedimento terá continuidade.
Em caso de omissão do notificado, o oficial promoverá a concretização do ato através da transmissão da propriedade perante o registro do imóvel.
Embora não esteja expressamente previsto na nova legislação, se recaírem ônus sobre o imóvel, o procedimento não terá como ser realizado em detrimento de direitos creditórios de terceiros.
Se o oficial, por algum motivo, negar o pedido formulado para a adjudicação compulsória extrajudicial, nada impede que seja feito o pedido ou na via judicial ou então via suscitação de dúvida para o órgão ao qual o oficial é subordinado.
Ferramenta de desburocratização para garantia da propriedade
A adjudicação compulsória extrajudicial é um instituto que evitará ações judiciais que eram feitas somente para tal finalidade, o que trará maior agilidade e menos onerosidade para os envolvidos.
O interessante é que a Lei prevê a possibilidade de adjudicação compulsória por parte também do vendedor. Isto aconteceria nos casos em que os vendedores, muitas vezes, empresas, promovem a venda de imóveis de um empreendimento e os compradores simplesmente não aparecem para lavrar a escritura. Em outros casos, também pode ocorrer da empresa ter fechado e o comprador não ter condições de localizar os responsáveis para lavrar a escritura do imóvel quitado.
Por ser uma novidade, muitas dúvidas poderão surgir ao longo dos procedimentos administrativos da adjudicação compulsória, o que poderá ser dirimido pelas orientações dos órgãos de regulamentação dos cartórios.
Este é um instituto que veio permitir àqueles que, de fato, adquiriram um imóvel e já quitou o preço, ou foi vendido para terceiros, já foi pago, mas não foi transferida a propriedade. Se há ausência de registro de propriedade, muitas consequências são advindas disto e com esta nova possibilidade, tal lacuna será preenchida.
Como é um procedimento que necessita de advogado para ser realizado, procurar um profissional que esteja atento às novidades legislativas e tenha conhecimento do procedimento é essencial para resguardar os interesses e conferir segurança jurídica ao ato.