Créditos de ICMS no deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte

O Supremo Tribunal Federal retomou o julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 49, no último mês, 10/02, para determinar se os créditos de ICMS permanecem com a mercadoria ou deverão ser estornados, nos casos de circulação entre estabelecimentos do mesmo titular. Este é um dos julgamentos mais esperados para o ano de 2023, pelo impacto que trará à dinâmica fiscal de inúmeras empresas pelo país.
No julgamento de mérito da Ação, em 2021, o Tribunal pacificou o entendimento de que “o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não configura fato gerador da incidência de ICMS, ainda que se trate de circulação interestadual”.
A ADC foi ajuizada pelo Governador do Estado do Rio Grande do Norte, ainda em 2017, e desde então diversas entidades têm ingressado no processo como parte interessada, como a própria CONPEG e o SINDICOM. O intuito da ação é a declaração de constitucionalidade dos artigos 11, §3º, II, 12, I, no trecho "ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular", e 13, §4º, da Lei Complementar Federal n. 87, de 13 de setembro de 1996, o que o STF, por unanimidade, julgou improcedente, declarando a inconstitucionalidade de tais artigos.
Muito embora este entendimento não seja uma novidade jurisprudencial, haja vista a súmula nº 166 do STJ e o julgamento do Tema de Repercussão Geral 1.099 do STF, a decisão da ADC nº 49 coloca um ponto final definitivo na discussão sobre a possibilidade de cobrança de ICMS no mero deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte.
O julgamento desta ação, contudo, tem preocupado diversas empresas Brasil afora, pois o argumento lançado pelos Fiscos estaduais, e apresentado nos Embargos de Declaração que está sendo julgado, é no sentido de que se não incide ICMS no deslocamento físico de mercadorias, então os créditos oriundos das operações anteriores devem ser estornados, como determina o art. 155, § 2º, II, da Constituição Federal.
A cobrança de ICMS é realizada considerando o princípio da não-cumulatividade, que tem como fim último evitar a tributação em cascata nas operações comerciais de circulação de mercadorias. Funciona da seguinte maneira: no lugar de tributar cada operação envolvendo a circulação de uma mercadoria na mesma cadeia produtiva, o ICMS relativo às operações anteriores se torna crédito que poderá ser compensado nas vendas seguintes.
Desse modo, as mercadorias podem circular sem que todas as operações sejam oneradas pelo ICMS, o que aumentaria a carga tributário a influenciaria no preço dos produtos.
A pretensão do Fisco é, portanto, a de que não haja a compensação de tais créditos, já que não haveria a incidência do imposto, sendo devido a devolução dos créditos oriundas das aquisições à Fazenda Pública. Entretanto, caso este entendimento se sobrepusesse, no fim das contas acabaria sendo mais vantajoso para as empresas a tributação destes deslocamentos, ainda que inconstitucional, do que o estorno dos créditos.
O julgamento no Supremo tem apontado para a improcedência dos argumentos dos Estados, existindo um consenso entre os ministros a respeito da impossibilidade de os Estados estornarem os créditos e da necessidade de regulamentação estadual para estas transferências.
Em razão da pandemia de Covid-19 o julgamento tem sido no modo virtual e tem se arrastado já há bastante tempo, mas espera-se que o assunto seja resolvido logo neste início de ano. Diante do consenso entre os ministros a respeito da impossibilidade de estorno dos créditos, a divergência está no prazo para que os Estados regulamentem estas operações e a partir de quando a decisão começará a valer.
Existem 2 posicionamentos predominantes: Fachin defende, com ajuste feito no último julgamento, que os efeitos da decisão devem ser iniciados a partir de 2023, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito, qual seja 29/04/2021, se após este prazo os Estados não disciplinarem a questão, fica reconhecido o direito dos contribuintes de transferirem tais créditos; Toffoli, por sua vez, entendeu por estabelecer um prazo de 18 meses, contados do julgamento dos Embargos, para que os Estados disciplinem a transferência dos créditos, sem determinar se a decisão teria eficácia ou não no caso da ausência de regulamentação.
Está na conta de os ministros encerrar a questão sobre o início da vigência da decisão, o que inclusive depende de um quórum de 8 ministros votantes, e definir de que maneira e quando os Estados deverão disciplinar a situação dos créditos no caso de deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular.
Caso os ministros não determinem um prazo, a cobrança do ICMS será considerada inconstitucional desde sempre, o que poderá ensejar inúmeras ações judiciais para discutir as operações realizadas no passado.
O julgamento pautado no mês de fevereiro deste ano, entre os dias 10/02 e 17/02, foi novamente suspenso pelo pedido de vistas do Ministro Alexandre de Moraes, deixando um placar de empate, 4X4, entre os dois posicionamentos divergentes.
Independente de qual posicionamento irá prevalecer, a expectativa é que os contribuintes não sejam ainda mais prejudicados pela pretensão indevida dos Estados.